Tradição e Ruptura
por Angelo Mugia
“Viver plenamente significa experimentar e aceitar tanto a luz como a escuridão, a alegria e a dor.
Sem dúvida haverá tempos de ruptura, e até mesmo angústia, na vida de todos nós, mas nada que nos impeça de encontrar caminhos para crescermos e aprendermos com esses períodos”
(“Os Deuses da Mudança”, de Howard Sasportas)
Estamos presenciando nos tempos atuais a convivência bastante tensa entre o velho e o novo e que ainda não estamos prontos e preparados para integração do que é novo às nossas vidas. O medo da mudança, a acomodação ao status quo e o apego ao que já é estabelecido e conhecido criam resistência a assumir novas formas de pensar e agir.
Simbolicamente no Céu, a conversa de Urano com Saturno não quer manter tudo do mesmo jeito. A apreensão pela ruptura total pode fazer com que se mantenha o melhor do velho e abra-se espaço para o novo, como se tente recuperar o que se estragou e melhorar certas situações. Mas se ocorrer falha nessas tentativas, pode-se não ter escolha senão reprimir e eliminar o que é velho, ultrapassado, conservador, retrógrado para abrir espaço para a mudança, para a inovação.
As artes em geral, particularmente a Música, sentem, veem e escutam os sinais dos novos tempos. São promotoras do pensamento e da emoção livres, da procura pela beleza e originalidade. São transgressoras pelas suas naturezas básicas, por isso cerceadas em muitos dos períodos da nossa história. A batalha mitológica entre Urano e Cronos (Saturno) levou ao nascimento de Afrodite (Vênus), a Deusa da Beleza.
A lição a ser aprendida neste período em que estamos vivendo é que devemos encontrar formas de comunicar nossas ideias e crenças, com diplomacia e tato, mas com firmeza e sabedoria. Precisamos encontrar soluções alternativas e criativas, na ação individual como coletivamente, para os velhos problemas e os novos desafios.
Ilustrando sonoramente esse sentimento, vou sugerir algumas escutas, em que alguns músicos demonstram essa harmonia entre as diferenças de gerações, de estilos, de vivências, mas que convergem para algo novo, diferente, rico e belo.
Gal Costa, não se acomodou aos louros de uma carreira respeitada e, para comemorar seus 75 anos de vida, juntou 10 cantores jovens (Rubel, Zeca Moreno, Criolo, Silva, Tim Bernardes, Rodrigo Amarante, Seu Jorge, Antonio Zambujo, Zé Ibarra e Jorge Drexler), convidando-os a cantar antigos sucessos seus em dueto, mas com uma nova abordagem. Esse novo trabalho gerou o álbum “Nenhuma Dor” e dele destaco Gal Costa e Tim Bernardes cantando “Baby”, de Caetano Veloso.
A violinista paulistana Ana de Oliveira, radicada no Rio de Janeiro, já atuou muito como spalla e solista em várias orquestras. Respeitada no cenário da música clássica, ela vem trilhando novo caminho e lançou, com ousadia e inventividade, seu primeiro álbum “Dragão dos Olhos Amarelos” com composições inspiradas por suas memórias e vivências. Na década de 80, Hermeto Pascoal dedicou “Posso chorar” a ela, que integra esse álbum, cujo lirismo dessa obra é sentido ao som de seu violino e é acompanhada por André Mehmari ao piano.
A música de Milton Nascimento soa muito bem quando tocada por uma orquestra sinfônica. Muitos arranjos foram feitos e tocados por importantes orquestras. Mas quero destacar uma gravação que foi feita pela Orquestra Sinfônica de Indaiatuba, neste tempo de pandemia, com cada músico gravando de sua casa. A convidada especial é a cantora paulista Anna Setton, que com sua bela voz apresenta “Clube da Esquina nº 2”, de Milton Nascimento, Lô & Márcio Borges.
A música brasileira é apreciada internacionalmente. A Bossa Nova, surgida no final da década 50, continua seduzindo e influenciando artistas em todo o mundo. É o caso da cantora e compositora de jazz norte-americana Melody Gardot. Seu mais recente álbum “Sunset in the Blue” (2020) incluiu a música “C’est Magnifique”, dela em parceria com Pierre Aderne e Dadi, que Melody Gardot canta com o português Antonio Zambujo.
No ano passado, publiquei o texto “Nova Travessia” aqui na Rede Bellatrix no domingo de Páscoa – https://titividal.com.br/nova-travessia/. Este ano, para celebrar esta data, que expressa o sentimento de travessia e o desejo de renascimento, sugiro que assista o vídeo com as vozes do Barcelona Ars Nova, acompanhadas pela Orquestra Barroca Catalã, dirigidos por Mireia Barrera. É uma apresentação original dentro de uma igreja cantando “Aleluia”, do “Messias”, de Haendel.
“Porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos. E sonhos não envelhecem”
(“Clube da Esquina nº 2, de Milton Nascimento / Lô Borges / Márcio Borges)
Crédito da foto: Mircea Preda Struteanu