Religião, crença e ciência
por Erane Paladino
Alguns estudos da Antropologia reconhecem nos seres humanos uma fragilidade biológica que poderá ter levado à construção da cultura como forma de sobrevivência. Nascemos precoces e dependentes. Os bebês humanos são extremamente vulneráveis e precisam do ambiente para se alimentar e se proteger. Como espécie somos desprovidos de força física e não possuímos pelagem necessária para aquecer em temperaturas baixas. Aprendemos, então a construir armas e fazer o fogo, por exemplo. Daí a necessidade de nos organizarmos em grupo e criarmos a tradição cultural. Este desamparo traz também um substrato psicológico. Freud, em seu texto O Futuro de uma Ilusão associa esta condição a uma necessidade de enfrentarmos o desconhecido. As lendas, os mitos e a religião, para ele, seriam formas de encontrar proteção através de uma força poderosa, uma espécie de grande Pai ou grande Mãe que estaria ao nosso lado para nos salvar. Para aliviar a angústia, mas por um caminho mais racional, surge a ciência, como uma tentativa lógica de explicar e entender o mundo e seus mistérios. Embora tenham o mesmo objetivo, trilham percursos diferentes hoje em dia. Mas nem sempre foi assim, pois na Grécia Antiga e no Egito Antigo estas formas de conhecimento muitas vezes se entrelaçavam. E na Idade Média, por exemplo, a Igreja determinava o que era considerado conhecimento científico, levando à fogueira os “ bruxos” que contestassem seus referenciais.
Com Descartes, por volta de 1600, vem uma revolução no conhecimento ocidental. Fundador de um novo modo de pensar, é considerado um dos pensadores mais importantes e influentes da História do Pensamento Moderno. Inspirou contemporâneos e várias gerações de filósofos posteriores com seu racionalismo e sua visão lógico- matemática. Sua famosa frase “Penso, logo existo” traz a importância da razão sobre as forças dos instintos e das emoções. Sua influência sobre a ciência permitiu associar a observação, a pesquisa e a classificação dos dados de acordo com os resultados. Sua proposta é chegar à verdade através da dúvida sistemática.
Assim, quando se pensa em ciência, até hoje, parte-se de uma hipótese e todos os meios possíveis para se chegar à sua veracidade ou ao seu engano fazem deste método um processo que nunca se esgota. Por este motivo, a ciência pode evoluir com o tempo, pois as conclusões nunca
tem um caráter definitivo. Nesta trilha, no século XIX, surge também o positivismo de Augusto Comte, uma tendência filosófica que reconhece o conhecimento científico como único caminho verdadeiro. Afasta, portanto, mais ainda a teologia e a metafísica. Para ele, uma teoria, só poderá ser correta se comprovada através de métodos válidos cientificamente. O pesquisador seria alguém imparcial na interpretação dos resultados. Crenças e superstições estão longe do que seria científico.
A Psicanálise, porém, provocou uma revolução ao articular o conhecimento filosófico associado às questões humanas. Freud era um pesquisador do sofrimento humano e seus dramas psíquicos. Considerava o fenômeno emocional como algo que diz respeito à condição humana. Reconhece, portanto, o ser humano inserido em sua cultura e seus valores, como canais que darão sentido às suas dores e prazeres.
Já no século XX, surge o filósofo e antropólogo Edgar Morin e sua teoria da Complexidade: para se pensar um fenômeno, deve-se considerar todas as implicações presentes. Uma observação meramente racional, permite apenas um recorte parcial. Toda análise, portanto, é parcial, pois as interferências sobre uma determinada manifestação tem múltiplas variáveis.
Neste percurso do pensamento, torna-se possível considerar a religião e a religiosidade como um dos canais para se buscar o sentido da vida. Se o mistério da vida e da morte ainda nos assombram, a busca na espiritualidade nesta trajetória tem seu significado. A palavra Religião vem do latim Religare, numa tentativa de nos unir a uma força maior que ampara nosso abandono neste universo.
Embora em trilhos diferentes, com princípios muito particulares, cada forma de conhecimento tem sua importância. A religião parte da Fé, ou seja, da confiança em algo inquestionável, uma verdade absoluta. A ciência, por outro lado, é nutrida pela dúvida que nunca se esgota.
No enigma da vida, em meio a tantas incertezas e limites, buscamos alívio e, quem sabe, respostas; construímos, assim, a arte, a cultura, o sagrado e o profano. Ou como diz Simone de Beauvoir: “Eu passava muito bem sem Deus e, se utilizava o seu nome, era para designar um vazio que tinha, a meus olhos, o clarão da plenitude.”