Os segredos dos seus olhos
por Ana Maria M González
O filme OS SEGREDOS DOS SEUS OLHOS (2009) foi o ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010. A obra do diretor Juan Jose Campanella, depois de quase dez anos ainda guarda motivos para voltarmos a ela. Vejamos se você concorda comigo.
OS SEGREDOS DOS OLHOS DE TODOS NÓS
Logo no início, o ponto central da ação é apresentado: um crime sem solução há 25 anos, que é revisto pela personagem masculina. Benjamín (Ricardo Darín) sentindo-se motivado a escrever um livro sobre esse fato busca Irene (Soledad Villamil) que era sua superior e parceira profissional nesse caso.
Cabe a pergunta: o que teria motivado Benjamin a rever depois de tanto tempo, a memória guardada de um crime não solucionado?
RESSONÂNCIAS E METÁFORAS
São muitas as ressonâncias e metáforas que vão se juntando e tornam esta história especial. A narrativa vai perseguindo o mistério central e outras histórias nos mostrando que se fala da experiência humana e não apenas da solução de um crime.
O olhar de um homem em um álbum de fotos deflagra a hipótese que poderá desvendar o crime. Ele é o primeiro indício para as investigações.
Os olhos são mensageiros de significados internos e revelam intenções, desejos, podendo também guardar segredos. A desconfiança atenta de Benjamin e a cobiça dos olhos de Gomes são as chaves iniciais.
Ao lado dessa busca que é central, temos também, narrativas paralelas entre as quais a que revela um relacionamento antigo entre Irene e Benjamin. Fará sentido agora, rever esses sentimentos? Irene, numa confissão a respeito da passagem dos vinte e cinco anos em si mesma, diz: “Não me reconheço. Eu era outra e era jovem”.
Há uma passagem de largo tempo na vida dessas personagens. Desse tempo pode-se apreender algum sentido? A questão do sentido da experiência de vida se coloca a partir de outra trama paralela entre Benjamin e seu amigo Sandoval.
Em uma conversa entre eles, apareça a dúvida: “Como se faz para viver uma vida plena?”, se pergunta Benjamin, cuja vida é cheia de nada. Estaria sendo ele incitado por esse vazio a buscar no passado uma possível solução para o seu momento atual?
Enquanto isso, Sandoval, seu amigo fiel, já sabe a resposta: “A paixão preenche a vida”. Para Sandoval, beber no bar até não saber voltar para casa é uma paixão que dá sentido a sua vida. Em outro diálogo, Benjamin escuta os argumentos do amigo: “Muda-se tudo: religião, deus, sapato. Não se pode mudar de paixão”.
A que paixão ele está se referindo? Não é aquela que advém de um relacionamento amoroso ou afetivo, mas daquela proveniente de apego ao que é confortável e que permanecendo, oferece segurança. Beber faz sentido para Sandoval e pode se chamar comodismo, repetição do conforto e sensação de preenchimento pelo conhecido. É um vício perverso que ele transforma em paixão para preencher de sentido a sua existência.
Ele não pode se livrar desse vício, pois como se soltar dele em direção ao desconhecido? Quem precisa do futuro se encontra tanta paixão e conforto?
Essa experiência de permanência emocional é presente em Benjamin, como já observamos e em Morales que não deixou de sofrer a morte da companheira. Há um valor nessa permanência e que faz a passagem do tempo ser mais fácil.
Trata-se de um tipo intenso de paralisia pois o evento do passado ganha raiz pelo exercício da memória. Como uma escravidão emocional. Essa experiência submete as personagens Morales e Benjamin. A ideia de escrever um romance sobre o caso de Morales se define como uma memória guardada e fixada. Talvez seja indício de uma paixão, de um vício em Benjamin.
A ligação de Benjamin com a história de Morales vai além da questão judicial mal resolvida. Na verdade, há um espelhamento da personagem Benjamin nessa história de amor, que é admirada por ele pela fidelidade e compromisso de Morales.
Benjamin só percebe a necessidade de viver sua própria história de amor ao entrar em contato com a resolução do crime e da vida de Morales. É grande a surpresa e o susto pelo muito que estava oculto. Talvez essa revelação tenha ampliado sua consciência em relação a sua própria história.
Talvez ele tenha, enfim, se libertado dos padrões repetidos ao longo do tempo, se afastando do hábito fixado. Consegue, então, reescrever o papel lembrete deixado ao lado de sua cama (de TEMO para TEAMO). Está pronto para agir na situação, quebrando a rotina de longos vinte e cinco anos.
Ele transita então do lado emocional fixado para uma ação mobilizadora de nova postura. A personagem tem coragem para decisão alimentadora de futuro. Não quis mais permanecer nos escuros desvãos do passado e de comportamentos de (in)segurança.
Assim Benjamim encontra um equilíbrio desejável em sua experiência de vida. Ele conseguiu se deslocar do passado para uma nova vida. Essa opção diferente, fecha um ciclo e realiza um pedido que vem da inquietação de sua alma. Concretizou o desejo de amar Irene, superando o temor de se lançar na aventura de amar e ser amado.
São muitas as ressonâncias e influências de umas vidas nas outras: Benjamin, Morales, Sandoval, Irene.
O culpado pelo assassinato foi encontrado, a relação de amor do protagonista e outros aspectos da narrativa foram encaminhados para uma solução.
O filme conta com um roteiro impecável e também com uma cena final que mostra genialidade do diretor, aproveitando a metáfora das portas que separam climas e experiências presentes em algumas situações.
No último diálogo do encontro entre Benjamin e Irene, ficamos de fora. A porta, que aparece outras vezes, se fecha na cara do espectador. Ela marca a diferença entre o externo e o interno, separando o social/subjetivo porque há o que ser preservado. Há limites privados em nossas vidas. Há o que aparece e o que fica oculto como bem descreve a narrativa.
No caso do encontro entre Benjamin e Irene, que a porta se mantenha fechada diante de nós.