Olhar (e ver) a cidade
por Pedro Ortiz
Andar pela cidade, a pé. Olhar e ver, “flanar”, perceber, descobrir, exercitar o corpo e a imaginação. Nem sempre é agradável caminhar pela cidade, ainda mais em São Paulo, onde a mobilidade urbana é uma questão complexa sempre a pedir soluções criativas e inclusivas. Parece que os pedestres estão na parte inferior da “cadeia” da mobilidade paulistana, abaixo dos ciclistas, motociclistas, dos motoristas de carros, táxis, ônibus, caminhões. Enfim, em um terreno muitas vezes hostil ao caminhante, onde por vezes parece que estamos no meio de uma verdadeira guerra territorial de todos contra todos, os cidadãos que optam por andar pela cidade em boa parte dos seus deslocamentos, sejam eles por necessidade, por opção (ou falta de opções) ou por convicção e atitude, enfrentam muitas dificuldades.
A grande maioria das calçadas e demais pavimentos vivem esburacados, sem manutenção adequada, falta de sinalização, sem piso tátil, semáforos com tempos de travessia feitos para campeões de atletismo, não para simples mortais. Pior ainda se a travessia de alguns cruzamentos perigosos, de tráfego veicular intenso em grandes avenidas for feita por pessoas cadeirantes, portadores de necessidades especiais, deficientes visuais, pessoas idosas, gestantes, pedestres com carrinhos de bebês ou quem tenha alguma dificuldade de locomoção. Aí, a aventura de caminhar e os riscos se amplificam.
Há quem caminhe muito, alguns quilômetros todos os dias, para se deslocar de casa para o trabalho, do trabalho para a escola, da escola para casa e assim por diante, por necessidade, porque o transporte particular não é acessível a todos, porque o transporte público não atende satisfatoriamente a todos e é caro, para os padrões de renda de grande parte da população.
De acordo com pesquisas realizadas anualmente pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope, tendo como “mote” principal o “Dia sem carro”, criado na França em 1997, adotado em vários países e desde 2003 praticado também aqui no Brasil por mais e mais pessoas que optam por deixar o seu veículo motorizado na garagem no dia 22 de setembro e utilizam outras formas de locomoção, quase metade dos paulistanos gasta em média entre 1 e 2 horas por dia em deslocamentos para realizarem suas atividades principais. Muita gente passa 2, 3, 4 horas por dia no trânsito, no vários meios e modalidades de transporte, individual ou coletivo. Em 2014, a média de todos os deslocamentos diários de cada paulistano foi de 2h44minutos. 70% dos entrevistados na pesquisa considera ruim ou péssima a situação do trânsito na cidade.
Ainda refletindo alguns dados da pesquisa, 2/5 dos paulistanos usam o carro todos os dias ou quase todos os dias em seus deslocamentos, mesmo que não seja seu próprio veículo, em carona ou de táxi, aplicativos etc. 34% da população da cidade faz uma parte ou todos os seus deslocamentos diários a pé. Ou seja, pouco mais de um terço dos cidadãos. Mais de 70% deixaria de usar o carro se houvesse uma boa alternativa de transporte. Boa em qualidade, preço e tempo. Por exemplo, metrô, trem e ônibus. 3% dos paulistanos se deslocam de bicicleta todos os dias e estão sujeitos a muitas das dificuldades e riscos dos que andam a pé.
Voltando aos pedestres, caminhar, mesmo com todas as dificuldades e limitações em uma cidade que teve seu crescimento projetado em grande parte para os deslocamentos motorizados, principalmente em veículos particulares, é um desafio diário, uma aventura. Sem contar o desrespeito e os riscos de acidentes, num trânsito que mata e fere dezenas de milhares de pessoas todos os anos no país inteiro, não só nas grandes metrópoles.
Por isso, políticas públicas para oferecer condições adequadas e acessíveis para melhores deslocamentos pela cidade são sempre bem-vindas e necessárias. E caminhar ainda é, com tudo aqui descrito, um ato cidadão. Melhora a saúde física e mental do caminhante, diminui os níveis de poluição sonora e atmosférica, combate o stress e o sedentarismo, nos insere de uma maneira mais integrada na paisagem urbana, com sua diversidade de espaços e gentes. Mesmo em pequenas distâncias, conhecemos melhor nossos bairros, nossa vizinhança, (re)descobrimos e valorizamos o comércio local, os espaços públicos, os monumentos e marcas da nossa história, nosso passado e presente cultural.
Vamos andar, pois! Ou, pelo menos, andar mais e melhor, caminhando e combinando esse com outros meios de transporte, de forma equilibrada e mais sustentável.
Ficam aqui algumas dicas e links de organizações, movimentos e iniciativas que oferecem alternativas e outras visões sobre o ato de se deslocar na cidade:
Rede Nossa São Paulo
https://www.nossasaopaulo.org.br/
Vá de Bike
http://vadebike.org/dia-mundial-sem-carro/
Estatuto do Pedestre
Cidade a pé
https://cidadeape.org/organizacoes/
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas