O que ganhamos com a pandemia (que ainda não acabou!) e a quarentena
por Titi Vidal
Tem sido fácil falar sobre tudo que perdemos em 2020. Quantas viagens não feitas, abraços não dados e (re)encontros adiados. Quantos lugares não conhecidos e experiências não vividas. Quantos projetos adiados ou esquecidos. Quantas vidas perdidas. Solidão ou falta de privacidade, medos e incertezas. Quantos desafios 2020 tem nos trazido…
Mas será que não vale a pena computar ganhos e conquistas?
Estamos em um mês que pede um balanço profundo e verdadeiro sobre esse amo e talvez fazer uma lista incluindo perdas e ganhos seja uma boa ideia.
Pensando rápido, apesar de todos momentos de angústia e desafios, muitas coisas boas vem à minha mente. Penso que ganhamos tempo. E que ao invés de tempo perdido, tivemos mais tempo pra olhar pro que realmente importa.
Podemos enxergar as coisas de uma outra maneira e rever as prioridades. Tivemos mais tempo pra ficar em casa e cuidar da própria vida.Talvez tenhamos pedido mais tempo nas redes sociais ou nas lamentações do que deveríamos, ao invés de termos aproveitado pra descansar e cuidar da casa e de coisas mais importantes. Mas, que tivemos a oportunidade de fazer isso, tivemos…
Além disso, acho que nunca antes nossas inquietações cresceram tanto e as necessidades foram tão urgentes. Fomos obrigados a encarar a dinâmica das relações ou da falta delas.
Por mais dolorido que seja a desilusão, ela nos tira o véu da fantasia e nos faz ver a verdade. E quantas verdades estamos vendo nesse 2020 tão cheio de mentiras e fake news.
Quando antes na história pudemos ver tão nitidamente o que cada um pensa? Diante de momentos de crise e da possiblidade de morte, nosso lado mais instintivo ganha força e a luta pela sobrevivência fala mais alto. E é justamente nessa hora que nossa essência grita.
Quantos dos seus queridos de fato tiveram demonstrações reais de empatia e responsabilidade social esse ano? Quantos tem mantido coerência entre o que dizem e aquilo que fazem de fato?
Penso que tivemos a chance de compreender como é estar em casa , o lugar onde deveríamos nos sentir mais seguros. Mas quanta reclamação de quem não aguenta mais ficar no que deveria ser seu refúgio?
Quem vive sozinho ganhou a chance de aprender a conviver consigo mesmo e descobrir novas habilidades, enquanto quem vive junto pode conhecer mais a fundo a dinâmica de suas relações.
E por mais que a solidão ou a claustrofobia vinda da falta de privacidade tenham vindo junto, quanta benção existe num momento de isolamento ou na possiblidade de fazer mais refeições juntos, por exemplo? E o que dirá da comida feita em casa que faz bem pra saúde e nos enche de amor? Parece, inclusive, que receita pra fazer pão esteve em diversos momentos ao longo do ano no topo das buscas nos sites de pesquisa online.
Quantas funções extra tivemos que assumir esse ano e, apesar de tanto cansaço extra, quanta independência isso nos gerou? E, se ainda não podemos fazer tudo na vida, o que ainda desejamos fazer? Será que quando a pandemia acabar precisamos voltar a correr e retornar para aquilo que o grande escritor moçambicano Mia Couto chamou de “o velho anormal”?
Precisamos voltar a viver no piloto automático ou podemos levar pra vida o que ganhamos de bom ao longo do ano?
Vale lembrar que ainda não saímos da pandemia e que ainda temos tempo de avaliar, retomar , rever e buscar caminhos. Mais saudáveis , não apenas físicos, mas também emocionais e mentais.
Podemos reescrever Nossa história daqui pra frente e , para que possamos mesmo seguir no rumo certo, podemos começar listando o que mudou em nós mesmos neste período e o que disso tudo desejamos levar pra vida.
Vale, ainda, listar o que ainda não fizemos mas desejamos fazer .Apesar de todos os desafios por aqui – que, garanto, também foram muitos – sou grata a todos ensinamentos e oportunidades que 2020 tem me proporcionado.
Das crises internas aos desafios do mundo, sei que muita coisa mudou e segue mudando em mim. E não quero pensar que tudo isso terá sido em vão. Quero ficar com as lembranças dos abraços em família, do tempo em casa, da casa arrumada que finalmente estou conseguindo ter, do foco no trabalho que faz mais sentido pra mim, dos momentos de reflexão e das decisões importantes que venho tomando nos últimos meses. Sei que levaremos junto tudo que perdemos. Mas isso também é aprendizado e faz parte da vida. E acolho tudo isso também.
Seja como for, podemos escolher focar no que perdemos e deixamos de viver ou no tempo e presentes que nos foram concedidos. E, de um jeito ou de outro, é hora de levar a vida mais a sério e (re)escrever nossa história. Afinal, o futuro está sendo criado agora. Que história você está escrevendo ou reescrevendo pra sua vida?