O lado bom da vida
por Ana Maria M González
O título do filme grudou em mim. Qual é o lado bom da vida? Seria a cura da doença, a descoberta do amor ou o abraço apertado do amigo? O filme com certeza não facilita a resposta, mostrando uma série de questões misturadas à história de um casal improvável que tem semelhantes problemáticas emocionais. E individualmente cada um de nós terá sua resposta particular. Mas, valem muito o filme e a busca por nossa resposta pessoal!
ESTRATÉGIA PARA VIVER
O filme (2013)é baseado em um livro de mesmo nome, O Lado Bom da Vida, do autor Matthew Quick, e traz um protagonista que quer a todo custo viver uma fantasia ou uma mágica que pode resolver todos os problemas de sua vida presentes e passados.
Pat Solitano Jr. (Bradley Cooper) tendo perdido o emprego e o casamento, depois de passar oito meses em um hospital psiquiátrico, tenta refazer sua vida. Cheio de boas intenções, ele recomeça sua andança pelo mundo. Difícil empreitada.
Logo na primeira cena, o depoimento de Pat Solitano sela um pacto com o espectador. Ao final do filme, temos uma cena de domingo feliz em família. O que teria mudado nesse intervalo? Seria esse o lado bom da vida?
Aos poucos sabemos que Pat deixou a negatividade e carrega dentro de si um lema (”Excelsior”). Tendo conseguido emagrecer, exercita-se à exaustão, lê livros e toma com relutância a medicação necessária. “Não sou mais reclamão”, diz. Sic! Essa é a bagagem que a personagem reúne para reconstruir sua vida. Mas, refazer a vida implica em mais do que coletar estratégias. Há complexidades abismais entre as nossas intenções e a realidade vivida. E especialmente no caso dele com um quadro emocional delicado.
Conhecer Tiffany (Jennifer Lawrence) o ajuda em sua tarefa, oferecendo-lhe oportunidade e ao mesmo tempo resistência e confrontação. Relacionamentos são a grande arma para nossa mudança, diz o filme. E pouco a pouco a narração da história nos dá a solução do conflito que chega a um happy-end, que embora improvável, pode nos aliviar. Deve haver uma razão para ele, tudo aqui é intencional.
Importante é ultrapassar os primeiros trinta minutos do filme, em que uma carreira de situações desagradáveis e até violentas assusta ao nos colocar perante todos os aspectos da história. Duas personagens centrais com patologias sérias, os vínculos familiares difíceis, relacionamentos por um fio. Além disso, ainda temos ao longo do filme, o jogo de futebol como espaço para ligação social, mas também para a expressão conflituosa de diferenças étnicas, a terapia como espaço de elaboração possível, o corpo na dança e no exercício físico.
O debate sobre a bipolaridade foi levantado com este filme. Suas características e a importância do contexto familiar estão lá, explícitas. Mas me interessa saber mais como o diretor (David O Russell) encaminhou a narrativa, suas estratégias como contador de histórias. A estratégia é incluir Tiffany, uma esquisita surpresa. Ela e Pat são diferentes dos outros, pois carregam diagnósticos. Eles vivem em desvãos com desafios, ao mesmo tempo perigosos e estimuladores de novas percepções da vida. Sabem o que é agressividade e impulsividade, questionam valores e crenças. Conhecem dilemas e níveis de intensidade muito particulares.
Com ela, Pat estabelece uma barganha em que se impõem limite e disciplina. Essa personagem tem uma função educativa quando propõe a Pat um compromisso com a realidade. A partir de uma estranha parceria na medicação e no sofrimento emocional, esse encontro propicia que ele amplie a percepção de si mesmo. E assim, ele estabelece um compromisso, encarando suas fraquezas e mentiras.
Esse confronto com a realidade é um presente da vida, mestre da verdade. Tiffany incorpora essa tarefa disciplinadora. Assim, ele sai da imaginação fantasiosa cheia de finais felizes em que acreditava. Porque “há dureza na vida e o mundo vai partir o coração de várias maneiras”.
Depois de passar por um intenso processo de experiência, o outro (Tiffany) mostra quem ele é. Como em uma corda bamba, Pat aprende a se equilibrar para conseguir o que quer. Ele vai descobrindo a si e ao outro. Chega à conquista de certa estabilidade emocional: algo foi construído dentro dele.
Então, qual é o lado bom da vida? O domingo em família? O encontro com o amor? A parceria com os amigos? A luta pela manutenção da sanidade?
O happy end abre uma janela de fantasia, de conto de fadas. Embora pouco provável, ele é o raio de esperança. É o sinal que vale a pena o trabalho de procurar uma estratégia para viver bem. Uma bela derrapada do diretor do filme dentro da poesia. Excelsior!
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