O CHEIRO QUE ME FALTA
por Priscilla Olyva
É lá vamos nós para um novo lockdown! Aquele sentimento de março de 2020 aflora novamente. Começamos a “comemorar” (com muitas aspas) o aniversário de um ano do primeiro período de isolamento social: “tal dia, fará um ano que eu estou trabalhando de casa”, “nesta semana fará um ano da última vez que eu fui para o estúdio”, “O fulano? Não o encontro já vai fazer um ano”…
Não é fácil ignorar o fato de que já perdemos mais de 260.000 vidas (até o momento em que escrevo este texto). Não é fácil ter a vida colocada de cabeça para baixo, mudada, mexida, do dia para a noite. Não é fácil lidar com o medo. Não é fácil lidar com uma ameaça invisível e que, mesmo um ano depois, ainda não sabemos exatamente como funciona. Não é fácil lidar com a morte de pessoas queridas. Não é fácil ficar longe das pessoas que moram perto. Não é fácil lidar com a falta de prazo para a vacinação. Não é fácil ver o país desgovernado…
Para além de todos esses lutos, é necessário que saibamos trabalhar, também, aquelas perdas simples, consideradas bobas. A gente precisa olhar e cuidar dos diversos lutos que tivemos e ainda teremos. Sabe aquela liberdade de poder ir à feira sem máscara? Poder experimentar as frutas, cheirar, pegar nas mãos para saber se a textura está boa? Sabe aquela rara tarde de calmaria que aparecia no meio de uma semana qualquer e que você aproveitava para pegar uma bela sessão de cinema? Você comprava um balde de pipoca, se esparramava pelas poltronas (afinal, a sala estava vazia) e sem precisar levar spray de álcool 70% para desinfetar a poltrona? Ou, sabe quando você estava no mercado e ali, próximo ao caixa, quase indo embora, depois de passar duas horas lá dentro, você resolvia experimentar uma torradinha com a nova pastinha de atum zero sódio mesmo depois de ter colocado as mãos em metade do mercado? Então, é também sobre isso!
Das coisas que mais me dão felicidade na vida (e quando eu digo felicidade, eu estou querendo dizer FELICIDADE) estão: atuar, viajar, ir ao museu e à livraria! Sim, essas quatro coisas são pelas quais o meu sentimento de felicidade é pleno (ok, não vou ser injusta com a batata frita, ela também me dá um sentimento de felicidade plena). Mas quando eu entro em uma livraria, é como se toda a minha vida fizesse sentido. E faz tanto tempo que eu não entro em uma… Ok, até tem uma livraria bem pequenininha aqui perto da minha casa. Vejam que milagre, uma livraria de bairro em um movimentado endereço de São Paulo! Aí eu te pergunto: tem graça ir lá e não tocar nos livros? Eu, que sou uma viciada confessa em cheirá-los, não vou poder colocar o meu nariz perto deles? Eu sei que não sou a única, tem muita gente viciada em cheiro de livros por aí. E faz pouco tempo que eu me dei conta (ou finalmente admiti) que perder a noção das horas dentro de uma livraria me faz muita falta!
É importante estarmos atentos a todas as grandes perdas que envolvem sermos o 2º país onde mais morrem pessoas no mundo de Covid-19. Sejamos generosos com nós mesmos. Saibamos acolher as nossas pequenas dores. Acredite em mim, é importante. Varrer para debaixo do tapete não vai fazer a pandemia acabar mais depressa.
Coragem, muita saúde e equilíbrio emocional a todos.
E quem sabe um dia, quando tudo isso de fato passar, a gente não se esbarre em alguma livraria por aí, rodeados por cheiro de livros?