Mães, bebês e a culpa
por Erane Paladino
O nascimento de um bebê numa família traz muita alegria e a sensação de renovação, mas existem outros sentimentos também presentes pouquíssimo comentados. Refletir de forma um pouco mais cuidadosa sobre este momento contribui muito para esta experiência, construída a partir de uma troca única.
Não há manual de instruções para a maternidade: quando um filho nasce, o lugar de mãe também acontece e este encontro irá depender de uma complexidade de elementos. As questões emocionais da mãe, sua disponibilidade real para receber o filho e aprender com ele, com seus recursos afetivos para enfrentar este desconhecido, e todas as possíveis frustrações e expectativas que estarão em jogo.
A espécie humana nasce muito desprovida de ferramentas para lidar com a vida. O bebê, durante um bom tempo, depende integralmente do ambiente para sobreviver. É por esta razão que os pediatras, psicólogos e demais profissionais de saúde, são tão meticulosos em suas orientações para o primeiro ano de vida, especialmente. A rotina, os horários, a alimentação em ambiente preferencialmente acolhedor e tranquilo, acaba por ajudar o bebê a se organizar, emocional e fisiologicamente. É a convivência e a intimidade que irão permitir conhece-lo mais a fundo e aos poucos.
A satisfação e o prazer em estar com estes pequeninos tem um caráter único e especial; a partir da maternidade nunca mais seremos os mesmos. Ao mesmo tempo, a necessidade imperiosa de atende-lo em suas necessidades básicas, provoca uma alteração na dinâmica familiar e uma verdadeira revolução no dia a dia se opera na casa, provocando um certo tumulto no começo. É comum a mãe sentir impotência e, até em alguns momentos, sentir-se tragada por esta mudança de vida. “Sua Majestade, o Bebê” é quem dá as cartas.
Mas, é importante lembrar que estas emoções intensas e instáveis por parte da mãe vem também de outros fatores: além das alterações hormonais, nossa sociedade traz uma verdadeira idealização da maternidade; quem não ouviu falar que “ ser mãe é padecer num paraíso”? Este modelo tão presente no imaginário coletivo traz referenciais associados à quase santificação desta figura, mais próxima a uma entidade.
Winnicott, pediatra que se tornou psicanalista a partir de sua vasta experiência com mães e seus bebês, alerta que existe a Mãe completamente boa – aquela que se torna refém desta idealização, e a Mãe suficientemente boa, ou seja, a que respeita e olha para seus reais recursos internos para tecer esta história de amor com verdade. Quando ele se refere à mãe, lembra também da importância do cuidador e demonstra em seu trabalho sua especial preocupação com o ambiente facilitador do bem estar da criança, para além da mãe.
Embora não possamos descartar esta aliança especial, é fundamental lembrarmos que a atmosfera de carinho, tranquilidade e conforto poderá permanecer quando a mãe não puder estar presente. Cuidadores que preservem o calor e o aconchego necessário darão continuidade à troca que será a base para o desenvolvimento.
Para quem tiver interesse, vale assistir ao documentário “ O Começo da Vida”, da diretora Estela Renner, também disponível no Netflix.