Da vida em pandemia: Infâncias possíveis
por Tamara Laiter
Um retorno para a escola
Por que ela não fala? O que é essa plaquinha na bolsa dela? Ela não desce escada sozinha?
Todos os anos me preparo para uma conversa com as novas famílias que chegam na sala da Maitê. Depois dos primeiros dias de aula eu sempre entro em contato, geralmente pelo grupo de Whatsapp, para me apresentar e falar sobre ela. Também tenho longas conversas com as professoras e professores, todos os anos eu respondo as mesmas perguntas: “Como podemos explicar para os pais e mães que nos perguntarem? Como explicamos para as crianças?”
Eu geralmente me antecipo às questões, já sei que elas surgirão. O meu principal motivo para isso é diminuir a distância entre todos os envolvidos e, claro, acima de tudo, entre a Maitê e seus novos amigos e amigas.
Mas nesse ano bizarro e triste, tivemos um retorno às aulas muito questionado, em momento grave da nossa situação coletiva frente à pandemia. Decidimos mandá-la para a escola, sempre avaliando os riscos e procurando ser extremamente responsáveis em nossa decisão. Nosso contexto permitiu que nos sentíssemos minimamente seguros, acreditando no principal benefício que é o convívio com outras crianças. Em poucos dias de retorno para a escola ela deu saltos incríveis, mostrando-se mais comunicativa, envolvendo-se espontaneamente em jogos simbólicos, passou a nos imitar em tarefas que antes passavam em branco.
Acontece que para as pessoas com deficiência intelectual e/ou autismo as medidas de distanciamento e uso de máscara por exemplo, são um grande desafio. É preciso lembrá-la exaustivamente de arrumar a máscara, de que não pode ficar tão próxima de outras pessoas, que não pode entrar em todos os ambientes e tocar em todas as coisas.
Então esse ano me antecipei para conversar com as famílias, não sobre nossa jornada apenas, mas principalmente sobre esses desafios.
Cada pedaço de bolo um parabéns
Aqui em casa aniversário é igual carnaval, também acontece fora de época. Ela gosta de celebrar, gosta das festas, dos rituais.
A Maitê pede para fazer bolo batendo palmas e apontando para a cozinha. Esse é o sinal de “vamos fazer bolo”. Já vem com a festinha junto. Aqui temos uma vela de aniversário bem fácil de alcançar, depois do bolo pronto temos que cantar “o parabéns”. Ai de mim se cortar esse bolo sem o devido ritual. É parabéns pra mamãe, pro papai, pra Sansa (cachorrinha), pra Maitê e dessa vez para a boneca Dora Aventureira também.
Vai ter festa de carnaval sim!
É o que a Maitê falou para mim do seu jeito, com o corpo todo . Eu tive que definir uma data para o nosso carnaval em casa. Tivemos que ficar contando os dias, ela ia dormir falando disso e acordava falando disso. No bendito dia, domingo de manhã, tive que explicar muitas vezes que primeiro tomaríamos café da manhã e depois começaríamos a arrumar a festa. Era muita ansiedade.
Ficamos um bom tempo cortando, pintando e colando, papéis coloridos, brilhos, inventando uma decoração. Tivemos que nos vestir, maquiar, ligar uma luz piscante colorida, colocar uma playlist de carnaval no “repeat”. Dançamos na sala, muito e de novo, quando eu já estava cansada ela ainda estava cheia de energia.
Ficamos mais dois dias explicando que o carnaval havia acabado. Nossa decoração ficou na sala durante esse tempo. Eita carnaval mais ou menos, né Maitê?