Comunicação, diálogo e convivência
por Michelle Prazeres
A “convivência afetiva” é um dos pilares do movimento pela desaceleração. Esta ideia buscar dar conta de que podemos transformar o mundo ao transformar as relações humanas por meio de uma convivência com presença, afeto e plenitude.
Outros quatro pilares (que caminham juntos, de mãos dadas com a convivência) são a atenção plena (que diz respeito a estarmos presentes, aqui e agora, conectados com a presença e o presente); a consciência temporal (que diz respeito a estarmos atentos às nossas prioridades, para saber escolher de forma equilibrada entre elas e as urgências que o mundo apresenta); o comum (que está relacionado com a ideia de cuidado e das relações mais próximas, locais, que orientam a nossa vida em sociedade); e a suficiência (que toca os movimentos de decrescimento, redução de consumo e consumo consciente, a partir de uma relação saudável também com os recursos do planeta e a natureza).
Vamos falar futuramente sobre cada um destes pilares. Hoje, vou centrar na convivência, porque penso que acabamos de viver em nosso país um momento conturbado e de ricos aprendizados no que diz respeito a conviver e comunicar com presença e afeto.
A presença diz respeito a estar de fato aqui e agora, conectados com quem estamos e com o lugar e com os sentidos aqui presentes. Quantas vezes já estivemos em uma conversa, mas com a cabeça em “outro lugar” ou tentando antecipar o que a outra pessoa vai dizer ou mesmo pensando no que vamos responder antes mesmo de nosso interlocutor concluir seu raciocínio?
Esta noção está conectada com a de atenção plena que, por sua vez, está relacionada ao exercício da escuta atenta. Um dos maiores problemas da comunicação hoje é que ela não é – muitas vezes – de fato, comunicação. É excesso de informação, de troca, de fluxo, mas não existe comunicação; porque não existe troca, porque não existe humanidade naquele processo. Não existe conexão, não existe afeto ou vínculo. Não existe, portanto, diálogo. E este fenômeno pode estar relacionado com uso de tecnologias, mas não necessariamente.
Mesmo em uma relação mediada por tecnologia, pode haver presença e afeto. Em alguns casos, existe mais presença e afeto do que em algumas situações presenciais. Quem nunca viveu a experiência de “conversar” pessoalmente com um amigo que, ao olhar a tela do seu telefone celular, diz “pode falar, que estou te ouvindo…”?
As tecnologias podem potencializar a falta de diálogo que existe na sociedade da incomunicação. Mas elas não são causa desta incomunicação.
O diálogo só acontece quando as partes envolvidas naquela relação são capazes de presença, plenitude e troca de afetos. Isso quer dizer que é preciso deixar-se afetar pelo outro, com empatia e capacidade de reconhecimento. E isso também pode acontecer com a mediação tecnológica.
Muitos dos problemas que enfrentamos no mundo, na esfera pública e na extensão tecnológica dela (que são as redes sociais), acontecem, porque as pessoas simplesmente não são capazes de dialogar. Não são capazes de se conectar com o outro, de conceder-lhe a palavra, de reconhecer (e de respeitar) a fala do diferente. De compreender.
Entramos, aqui, no território da comunicação não violenta, tema que me interessa muito e do qual estamos nos aproximando no Desacelera SP, para construir as ideias (e as nossas práticas) de comunicação afetiva. Nas práticas de comunicação não-violenta, o caminho para a compreensão passa, necessariamente, pela conexão, pelo sentido e pela compreensão.
É este sentido da comunicação que marca as relações de convivência afetiva. E ele só se realiza, quando há disponibilidade e um interesse genuíno no outro; no que o outro pode apresentar; na beleza e na divindade do outro.
Para que esta conexão (que é ao mesmo tempo humana, sagrada e divina) se estabeleça, as relações precisam poder acontecer no tempo giusto, no que tempo de que precisam para acontecer. Cultivar e nutrir relações demanda tempo. E presença. A afeto. E vínculo. E troca. E convivência. E viver as relações neste tempo é desacelerar.