Cantar é vestir-se com a voz que se tem
por Angelo Mugia
Resolvi dar o título deste meu texto apropriando-me de uma frase de um belo samba – “Cantar” – que Teresa Cristina e o Grupo Semente gravaram. Isto porque no meu texto anterior eu comentei que alguns artistas e grupos têm conseguido concretizar seus projetos musicais, com sucesso, obtendo os recursos financeiros via financiamento coletivo (Crowdfunding).
E dois grupos que viabilizaram seus últimos discos desta forma têm a voz como seu principal instrumento e que literalmente vestem os personagens que cantam com beleza e excelência artística.
O primeiro deles é o Mawaca, que pesquisa, recria e traz a diversidade musical de diferentes povos do mundo. Com um repertório que inclui canções em mais de 20 línguas, este grupo vocal feminino é acompanhado por um grupo instrumental acústico que mistura sonoridades da tabla indiana com o pandeirão do Maranhão, o acordeão com o violoncelo, entre outras misturas muito interessantes. São temas ancestrais de várias etnias da Europa, Ásia, Oriente Médio, África e buscando sempre estabelecer conversas musicais com a música brasileira.
Com mais de duas décadas de carreira, o Mawaca já tem 7 discos e 3 DVDs produzidos, sendo o último trabalho o CD/DVD “Inquilinos do Mundo”. Este projeto é uma rica pesquisa com as músicas dos povos ciganos, nômades, migrantes, exilados e refugiados. A temática é muito atual dentro da situação das migrações que se apresentam no mundo. São músicas que viajaram pelo mundo e com sua força continuam habitando a memória das pessoas.
No link podemos apreciar a versão que o Mawaca fez de “Chaje Shukarije”, canção tradicional de amor dos ciganos da Macedônia, que “conversa” com um clássico da música brasileira “Na Baixa do Sapateiro”, de Ary Barroso.
https://www.youtube.com/watch?v=FzIIwYRWETM
O outro grupo é o Ordinarius, sexteto vocal carioca, que pesquisa bastante a adequação da voz como instrumento. Os arranjos são muito criativos para um cancioneiro popular brasileiro e internacional, que vai de Michael Jackson, passa por Ernesto Nazareth e a Bossa Nova e chega até em José Miguel Wisnik. Em alguns momentos cantam “a cappella” (sem acompanhamento de instrumentos) e em outros contam com os “auxílios luxuosos” do pandeiro, cavaquinho e violão.
Os clipes do Ordinarius são vistos aos milhões no Youtube e Facebook por fãs no Brasil e no mundo todo. Seu último CD chama-se “Notável”, uma homenagem às várias facetas de Carmen Miranda: a mulher, a cantora, a artista, a figurinista, a criadora da personagem e a própria personagem que ela foi – a “Pequena Notável”.
Com muita graça, inteligência e excelência vocal, Ordinarius canta canções de grandes mestres da música brasileira como Ary Barroso, Assis Valente, Synval Silva, João de Barro, Dorival Caymmi, Zequinha de Abreu, reverenciando nossas raízes, mas com um olhar inventivo para o futuro.
No link, apreciem a versão do Ordinarius para “Na batucada da vida”, de Ary Barroso e Luiz Peixoto.
https://www.youtube.com/watch?v=E029jG4ynTs
Encerro este texto novamente citando parte do samba da Teresa Cristina – “Cantar é desnudar-se diante da vida … achar o tom da alegria perdida e não ter que explicar pra ninguém”.
Até a próxima!