As curvas do caminho
por Suria Scapin
Dizem que os 30 são os novos 20 desde que sou adolescente, hoje em dia, já tem quem diga que os 40 são os novos 20. Mas vai você não ter uma família e uma carreira estável aos 35 pra ver quanto de julgamento vai enfrentar!
O que mais me surpreende é que, sim, o número de pessoas fazendo escolhas menos convencionais de vida só aumenta, mas a aceitação social não acompanha esse movimento.
Quando eu tinha 29 anos, decidi me mudar pra uma chácara. Ouvi que ia me isolar do mundo. Com 33, abri uma editora digital e ouvi que era loucura — o que ficou comprovado 4 anos depois, quando decidi fechá-la porque o mercado realmente não se desenvolveu de maneira sustentável para o formato pensado. E, com 37, fui morar no México pra tentar descobrir o que eu poderia fazer fora do mercado editorial, já que era onde estava toda a minha experiência e, praticamente, todo mundo que eu conhecia. Também foi um monte de “Como assim?”, “Mas e sua casa?”, “E sua vida?”, “Você já não tem idade pra isso”…
Morei em Guadalajara por um ano e meio. Aprendi muito sobre recomeços. Sobre avaliar a realidade. Sobre escolhas. Pra mim, foi o período necessário para entender que podia, sim, fazer outra coisa. Começar do zero e, se der errado ou se eu mudar de ideia, recomeçar de novo. Sinto que precisei do distanciamento físico para não cair na tentação de voltar pra onde sempre estive, para filtrar quem era amigo e quem era contato. E precisei desse tempo pra poder voltar pra casa e me encontrar, dentro de mim.
Por mais que racionalmente seja óbvio que enquanto estamos vivos podemos escolher o caminho que quisermos, emocionalmente não é tão fácil. Existem crenças muito arraigadas, ao menos em mim, de que, na porta dos 40 eu deveria ter mais certezas. E é um processo aceitar que eu gosto mesmo é de fazer um monte de coisas, tudo ao mesmo tempo agora e depois: estudar coisas novas que provavelmente nem vou usar pra nada, ir pra cozinha testar receitas, pegar uma agulha de crochê e barbante pra fazer e refazer a mesma peça 30 vezes, desenhar com lápis de cor mesmo sem nunca gostar do resultado, ficar sentada no quintal deixando os cachorros pularem em cima de mim, olhar pro céu de dia, de noite… Aceitar que o que eu faço nem sempre precisa ter como objetivo produzir algo “útil”.
É lógico que para poder não me preocupar com a “utilidade” do que estou fazendo, é necessário ter um trabalho que permita eu me manter, mas que também me deixe tempo livre. E ter definido o mínimo que necessito para me manter foi o que me deu essa possibilidade.
Nesses últimos anos, entendi que existe muito além do mercado editorial, muito além do trabalho. Continuo trabalhando com livros… só que, com essa nova perspectiva, voltei a gostar do que faço.