Amor em tempos de Pandemia
por Erane Paladino
Em tempos de pandemia, entre outros desafios, cá estamos confinados e submetidos à convivência íntima, durante meses, no mesmo espaço e com as mesmas pessoas, mesmo que sejam da nossa família. Pode parecer estranho trazer esta discussão, se considerarmos o conhecido e previsível ambiente que pertence às nossas vidas, ao nosso cotidiano e que, em princípio, estaríamos acostumados. Mas, esta intimidade traz também algumas objeções. Como lidar com uma rotina onde trabalho, vida amorosa, vida social, alimentação e vida escolar estariam circunscritas a um mesmo espaço físico?
Nesta dinâmica complexa e inédita, gostaria de trazer à discussão o paradoxo das relações familiares perante esta intimidade tão singular. Em alguns lares, embates e até atos violentos tem aumentado, como também, é possível observar em outros um aprimoramento dos modos de convivência e uma participação mais ativa dos membros da família na organização da casa, na cooperação e até mesmo numa disponibilidade maior para a observação e escuta
Laços afetivos são sempre instigantes. Somos provocados quando amamos. E, nesta proximidade quase sem bordas, entra em jogo nossa capacidade para estar com o outro. Afinal, o que é o amor, se tantas contradições aparecem quando estamos ligados a alguém?
É difícil definirmos o amor. Podemos lançar mão dos gregos que há cerca de dois mil anos já tentavam entende-lo. Mas, desde o século XVIII, um modelo romântico acabou por influenciar os encontros, as paixões e a família. No imaginário da cultura ocidental permanece ainda um ideal de amor perfeito e belo. Aquele que nos completaria totalmente. Amar e ser amado sugere, neste caso, harmonia incomparável: um verdadeiro encontro de almas. Pois, se de fato houvesse, talvez não existissem a poesia, as artes e a ficção. O contato com a experiência real é a oportunidade para se aprender a se querer bem. Sentimentos amorosos implicam na construção, na troca e no aprendizado. Quando buscamos o amor romântico vivemos a paixão pelos nossos sonhos, na busca da plenitude e do nirvana. No amor real, deixamos de amar a esperança e passamos a uma espécie de “luto” diante das expectativas. Estamos expostos e daí poderá surgir um genuíno interesse em partilhar a vida. O contraste entre o ideal e o possível se manifesta, pois no contato com as diferenças vem à luz o que verdadeiramente seremos capazes de valorizar e desejar. Se persistirem a tolerância e a vontade para se estar junto, uma verdadeira história criativa e sólida poderá acontecer.
Ou como diria Clarice Lispector: Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. ( Felicidade Clandestina)