ADORÁVEIS MULHERES, ADORÁVEL FILME
por Ana Maria M González
Passei por histórias tristes, então escrevo histórias felizes. Louisa May Alcott
A frase pórtico da escritora mencionada logo no início, nos dá sinal de que o final do filme será feliz. Mas não se trata de uma simples narrativa romântica. E a adaptação do texto literário inúmeras vezes repetida, nesta versão, vai mais longe.
Gosto de remakes, especialmente quando são inteligentes, acrescentando perspectivas diferentes a boas histórias. O livro de Louisa May Alcott, que já ganhou cinco edições no Brasil, ganha a sexta versão no cinema. É para nos perguntarmos o que faz uma história ganhar tanta repercussão. Já fui atrás de razões para um filme ganhar outras versões. Lembram-se do filme Nasce Uma estrela? Ganhou quatro versões no cinema. E há razões de sobra para isso. O que tem essa nova versão cinematográfica do livro Mulherzinhas escrito em 1868?
As experiências das quatro irmãs, seus desejos e diferenças nos mostram um panorama rico em que o papel da mulher ganha protagonismo. Os homens aparecem como coadjuvantes. O pai da família está na Guerra Civil ou guerra da Secessão que durou quatro anos, e volta para casa já no final da narrativa. O amigo e vizinho, (Timothée Chalamet de UM DIA DE CHUVA EM NY (*)) busca seus caminhos e é aquele que representa a opção afetiva possível entre duas irmãs. Todos são jovens e apresentam as dúvidas referentes a sua fase de vida.
Mas, sem dúvida, a narrativa responde à questão do papel da mulher na família e na sociedade da época. Cada uma das quatro filhas da mesma mãe tem um caminho diferente. Nenhum será fácil. Ser dona de casa e mãe de família (Emma Watson/Meg), ser artista pintora (Florence Pugh/Amy) ou escritora (Saoirse Ronan/Jo), cada escolha será válida nesta família em que essa mãe é modelo de maturidade e dá espaço para todas as opções (Laura Dern/Mary). Acompanhamos seus caminhos pelo mundo e o adoecer de Beth, a mais jovem delas (Eliza Scanlen/Beth). Por sua causa, há o retorno das irmãs à casa em um movimento que indica a prioridade do contexto familiar.
Os conflitos e as dores de todas elas, jovens pobres que vão sobrevivendo dentro de esquema de sonhos mantidos a todo custo ou ao custo de substituições resilientes, opções que se desenvolvem delicadamente em um cenário especial. A cena da patinação no gelo – deslumbrante- vale o filme. Mas, há detalhes técnicos que poderão ser a marca desta nova versão.
O USO DE RECURSOS CINEMATOGRÁFICOS
A maneira de apresentação da narrativa é na maioria das vezes o grande diferencial para que um filme seja considerado maior.
Neste filme assistimos a um jogo temporal que vai mesclando situações do passado e do presente e que podemos identificar por mudança de claridade na fotografia referente a cada uma dessas fases temporais.
A adequação da maneira como isso ocorre, promove envolvimento do espectador e nos traz surpresas. Despertam curiosidade e emoções, visto que dessa maneira vamos nos pondo a par das experiências das personagens. Esse desenho não é raro, mas neste caso ganha uma dimensão de beleza pelas escolhas entre as várias histórias e como elas vão se entrecruzando e o protagonismo vai sendo dividido entre as irmãs.
São quatro irmãs e uma mãe que é um ponto de apoio, aparecendo apenas o suficiente para deixar alguns recados. A irmandade construída na família manifesta-se mesmo em situações difíceis. A opção afetiva de Amy poderia interferir negativamente na vida de Jo, a escritora, caso não estivesse claro que a irmandade é valor acima de tudo. Há respeito. Há amor e diálogo. Ou apenas silêncio e compreensão, se necessários.
A IMPRESSÃO DO LIVRO
Há um diálogo no início do filme entre Jo e um editor. Percebemos logo de início algumas dificuldades da opção de ser escritora nessa época. E também questões do mercado editorial.
Tais aspectos de sua história como escritora acompanharão esta personagem até percebermos que tudo se encaminhou para o final em que há a impressão de um livro. Esse livro descreve a narrativa cinematográfica a que estamos assistindo. Tudo bem interligado. São camadas narrativas delicadamente intercaladas assim como são acrescentadas as misturas temporais já mencionadas.
O livro escrito por Jo descreve a história de sua família, de suas aventuras e dramas. É o livro que serve de base para o filme. Este é o ponto de surpresa e inteligência da diretora. Um arranjo de imbricações entre realidade e ficção. Esse é o diferencial na construção dessa narrativa cinematográfica.
E, sob outra perspectiva, temos como protagonistas nessa constituição de vários planos de ficção e realidade, a presença de três mulheres: Jo (a personagem escritora), Louisa May Alcott (autora do livro original) e Greta Gerwig, a diretora do filme e responsável por essa obra tão criativa. Um universo feminino de pura magia estética e artística.
(*) Leia o artigo a respeito desse filme em https://titividal.com.br/chuva-e-relogio-em-nova-york/