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Vamos Falar sobre os Homens?

           Apesar dos passos lentos e gradativos, camadas sociais esquecidas e discriminadas começam a ganhar voz. Embora o preconceito ainda seja muito visível, mulheres, homossexuais, negros, trans trazem suas questões nas mídias sociais, nos estudos acadêmicos, na área jurídica e, aos poucos deixam lugar de exclusão. Numa sociedade ainda machista com resquícios do patriarcado, surge espaço para debates, jurisprudências, artigos, livros, manifestações sociais e novas configurações familiares num movimento dinâmico que tem exigido reformulação de antigos valores.

           Ao colocar uma lupa sobre a questão da mulher, observamos avanços que já esboçam uma nova história. No mundo, especialmente a partir do pós guerra e do advento da pílula anticoncepcional nos anos 60, movimentos feministas ganharam seu lugar. A bibliografia sobre o tema é vasta, seja pelo aspecto social, psíquico ou antropológico. Mudanças de costumes vieram a reboque e revolucionaram o comportamento das mulheres com repercussões sociais históricas. Na área jurídica, o divórcio e a união estável reconhecidos, permitiram vínculos amorosos numa nova moral. No Brasil, a partir de 2006, surge a Lei Maria da Penha, com mecanismos legais para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Embora a história caminhe lentamente e haja muito para se fazer, hoje em dia temos 51% dos lares com mulheres que trabalham ou tem maior remuneração em relação aos seus companheiros. Mais de 40% dos lares brasileiros são chefiados por elas.

           Apresentamos aqui os avanços, mas o que temos a falar sobre os homens neste percurso? É visível para o pesquisador o número ínfimo de bibliografia sobre a questão masculina na contemporaneidade e ainda parece persistir no imaginário das pessoas um certo maniqueísmo entre masculino e feminino. Assim, viril e forte deveriam se contrapor a fraco e sensível. Até o início do século XX os papéis associados aos gêneros eram bem definidos e as relações afetivas estavam apoiadas a uma relação de dominação, onde caberia à mulher obedecer aos projetos de vida determinados pelo homem. Na sexualidade, o imaginário da esposa envolvia recato e passividade.

            A pesquisadora Milena Santos de Jesus, em seu trabalho “ Desafios da Masculinidade” ( 2009) reconhece que os valores masculinos continuam praticamente os mesmos desde a Grécia antiga: força, iniciativa, disciplina, responsabilidade e autocontrole. Questões ligadas à emotividade, intuição e até mesmo falta de objetividade ficam associadas à fragilidade ou incompetência. Esta severidade pode manter de forma subliminar uma espécie de proteção para que o homem do patriarcado não pareça “mulher”(com seus atributos de inferioridade e fraqueza ).  Mas como manter referenciais tão rígidos e estereotipados numa sociedade em transformação? Para a filósofa Elizabeth Badinter, a valorização das singularidades,as diferenças individuais, a emancipação da mulher e um caminho que se abre para outras sexualidades, levam a uma espécie de depreciação do masculino. Seus modelos apoiados nos arquétipos do herói, protetor, provedor ficaram enfraquecidos. As ideias de dominação e agressividade já não cabem mais.

             Esta dinâmica complexa tem trazido conflitos emocionais intensos. A falta de recursos para lidar com estes desafios os aproximam mais da depressão, violência,  alcoolismo e drogadicção. Talvez por esta razão, estatisticamente suas vidas são mais curtas.  O universo masculino está em crise. Vivemos uma sociedade competitiva e individualista. A necessidade de auto afirmação num contexto onde poder e status também estão associados à virilidade contribuem muito para o sentimento de impotência que eles temem compartilhar. Na briga contra os afetos, tendem a se fechar em suas cavernas. Em sua maioria, falam pouco das emoções e preferem o isolamento para evitar expor vulnerabilidade. Suas certezas patriarcais se perderam e eles parecem viver uma transição ainda obscura.

                 Ao mesmo tempo, as mulheres hoje tem  espaço no mercado de trabalho e sua sexualidade está  bem distante das virgens à espera do marido para lhe dar pertecimento social.  O grande desafio destes tempos é reconhecer que estas profundas mudanças não foram suficientes para o surgimento de  novos valores sobre o gênero masculino. Muitos deles, ainda formados sob a antiga matriz , encontram-se sem os recursos psíquicos para lidar com estas demandas. A insegurança e a necessidade de controle são disparadores para as reações primitivas de ciúme e violência.

                  Como diz o psicólogo Sócrates Nolasco ( 2001) em seu texto “ De Tarzan a Hommer Simpson”: o menino é criado num cárcere para quando crescer ser o seu próprio carcereiro”.

                 A frequência de homens no consultório tem aumentado e com eles, abre-se o sofrido, mas necessário contexto  para se discutir indeterminação, incertezas, amor e  medo como questões humanas presentes em todos nós. As exigências de se atender uma expectativa social idealizada, acaba por distanciar as pessoas de suas reais condições, de seus desejos e da subjetividade. Os processos históricos são vivos e um novo lugar, quem sabe de alteridade e respeito poderá nos levar a saídas criativas. Uma das conquistas visíveis destes dias tem sido um novo  lugar para a paternidade. É possível observar os homens mais ativos e conscientes da importância de seu papel na vida de seus filhos e da família, para além do pai provedor e protetor.

                                                                    Erane Paladino

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