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Um conto chinês

A IMERSÃO NO MUNDO DA FICÇÃO, UM CONTO CHINÊS.

E quando o filme é daqueles em que acontecem fatos tão surreais que você nem acredita que estão acontecendo? Nesses casos, entramos na história e deixamos nos levar pelo espaço encantado da imaginação. A ficção nos envolve. Não nos importamos que a ficção seja somente uma história contada, quase uma mentira em que gostamos de acreditar. Esse funcionamento da ficção do cinema tem sido tema de muitos estudos e não nos apercebemos disso quando escolhemos afundar nela na sala escura ou no quarto em frente a uma telinha.  

O filme escolhido para o artigo de hoje nos ajudará a pensar um pouco na questão de nossa imersão no mundo da ficção cinematográfica. Como cada um de nós se percebe nessa situação?

Leia o artigo, assista ao filme (YouTube e outras plataformas) e ao making off (link indicado ao final). Por fim, me conte de suas observações!

UM CONTO CHINÊS EM VERSÃO ARGENTINA

O filme Um Conto Chinês (diretor Sebastián Borensztein, 2011) trata de comunicação e das dificuldades de convivência entre culturas diferentes? De temperamentos difíceis e obsessivos?  Isso tudo faz parte, mas temos muito mais além disso.

A FICÇÃO, A REALIDADE E O DESENHO DE JUN

A cena inicial na China nos traz um casal enamorado que troca alianças e olhares quando acontece um desastre: uma vaca cai do céu. Uma tragédia na vida de Jun. 

Depois do inusitado dessa cena a câmera gira e, do outro lado do mundo, em Buenos Aires, Roberto (Ricardo Darin), colecionador de manias se depara com uma pessoa arremessada para fora de um táxi. Trata-se de Jun (Ignacio Huang) que está em busca de parentes e, agora, sem dinheiro e sem documentos.

   Roberto não fala chinês e Jun não fala espanhol. Mas, apesar de ranzinza, o argentino é generoso. Ou seja, Jun é aceito em sua casa até a resolução de seu problema.  

Solitário e metódico, Roberto começa então a viver situações inesperadas. Seu quotidiano organizado e repetitivo, invadido por um estranho, não se sustenta. Pouco a pouco assistimos à desmontagem da estrutura que ele havia criado. O desejo por segurança cabe em sua vida em que se fizeram presentes a guerra (das Malvinas) e perdas de pessoas queridas (mãe e pai). Como escapar de mais sofrimento?

Mas, na nova situação ele vai perdendo o armário com objetos significativos, a paciência e a postura. Tal revés, golpe do destino, trouxe para dentro de sua casa o absurdo, quase bizarro.

Um bom roteiro conta essa trama simples, juntando o humor e dor (Jun), a solidão (Roberto) e amor (Mari). E há alguns recursos mais sofisticados que emprestam qualidade na narrativa, um diferencial do talento do diretor Sebastián Borensztein que não escolheu por acaso o título Um Conto Chinês. Por isso tudo, este filme ganhou o prêmio Goya de Melhor Filme Ibero-Americano.  

O paralelo com o mundo literário é explícito: começa pela utilização do nome de um tipo de texto no título. A personagem de Roberto também nos remete a aspectos desse mundo das letras. Assim acontece quando ele incorpora as personagens de seus recortes de jornal, momento em que é personagem de si mesmo. Sua imaginação é ativada pelos recortes que expressam desejos e experiências, vividos como ficção. São histórias da realidade, uma coleção de tragédias (humor negro ?) que confirmam o que Roberto sente: a vida é absurda.

As situações se desenrolam e nos vemos perante a equação ficção X realidade. O diretor nos ludibria sem que percebamos sua traquinagem.  E por mais que Roberto se defenda da estranheza da vida, há vacas caindo do céu na vida de um chinês que é personagem de suas histórias. E essa pessoa se transforma em seu hóspede.

A confirmação dessa extrema coincidência em conversa com o chinês, intermediada pelo tradutor e entregador de pizzas, parece ser o ponto culminante do filme. Nesse momento tudo se coloca na mesa e, realmente, a vida não faz sentido. A vida é a própria ficção. Roberto se vê com sensação de descaminho, sem consolo.

Porém, antes de ir embora e compreendendo a situação, Jun prepara um presente. Generoso, faz um desenho de uma vaca na parede do quintal. Esse símbolo não é difícil de ser decifrado. Diálogo possível entre os dois, o desenho significa um convite: deixe que o inesperado visite sua vida. Permita que a ficção entre. Ela pode revelar espaços libertadores. Perca o medo. Ultrapasse limites estabelecidos. Saia da posição de expectador ou de personagem de ficção. A vida é mais do que os recortes em livros e aviões em aeroportos. Roberto, confie no acaso. Jun entende que ambos têm a experiencia do absurdo em suas vidas.  

Ao final, enquanto o noticiário de TV nos oferece a notícia, observamos o nosso diretor arriscando outra brincadeira. A história narrada parecer ser baseada em fatos reais. O noticiário chinês nos conta uma história real. Vemo-nos embaralhados em uma teia. Ficção ou realidade?

Como expectadores, entramos também no jogo do diretor. E por que não? O que o cinema é? Um absurdo e maravilhoso enredamento.

E na cena final, novamente assistimos à aparição do símbolo da vaca. No novo cenário, fechando o círculo, lá está ela, à espera, mansa e alimentadora. Fechamento de mestre!

PS1: Detrás de Escena (Making off em duas partes) https://www.youtube.com/watch?v=LONAdHh0F_o

PS2:  Visite o canal MAIS CINEMA no YouTube para outros filmes. E não perca as crônicas que falam de minhas andanças pela cidade ilustradas com fotos. Agradeço sua inscrição no canal. Isso é importante!  https://www.youtube.com/channel/UCce-tt3GiGlPZqa7khmfHEw?view_as=subscriber

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