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Sobre a Resiliência

Um dos grandes desafios para se fazer um diagnóstico em Psicanálise está no modo peculiar de pensar o ser humano e seu mundo mental. A teoria e o método reconhecem instâncias psíquicas profundas subjacentes ao universo consciente.

Para além da realidade considera-se o olhar e as condições do observador   para interpretá-la. A experiência vivida estimula emoções e permite a construção de um mundo subjetivo, com suas tonalidades específicas. As bases da personalidade e da identidade dependem, então, de matrizes instaladas nos primeiros anos de vida, com referenciais de relações com o mundo, valores e até mesmo ideais. Esta estrutura psíquica define, de certa forma, a capacidade para se lidar e perceber os eventos apresentados e os recursos emocionais para se enfrentar o amor, a dor e os revezes. É por esta razão que notamos reações diferentes em cada pessoa diante dos mesmos impactos e do imprevisível. A resiliência está associada a esta dinâmica.

O que tornaria, então, um indivíduo resiliente?

Em seus primeiros meses de vida, o bebê apresenta como vivência emocional um medo de morrer muitas vezes aterrorizador. Sua vulnerabilidade física e biológica o faz depender quase que integralmente do mundo externo para sua sobrevivência. Sensações intensas de dor, fome ou prazer fundam seus registros psíquicos. Melanie Klein, seguidora de Freud, desenvolveu sua teoria apoiada nos primeiros anos de vida e chamou de angústia de aniquilamento ou fragmentação este sentimento indiferenciado que acomete o bebê diante de suas frustrações. Sua incapacidade para discriminar os estímulos, bem como a falta de recursos emocionais e cognitivos, trazem basicamente a experiência do prazer ou o do desprazer. A realidade é cindida, multifacetada. Sensações ainda sem nome dominam o corpo e o medo de ser destruído pela dor gera uma angústia sem contornos. É por esta razão que a presença da mãe ou do cuidador torna-se imprescindível. O ambiente, o conforto, a acolhida, a regularidade na rotina, permitem à criança conquistar a confiança básica necessária para sua organização interior e o desenvolvimento psicológico.Este processo permite também o aprimoramento das funções da percepção e o amadurecimento emocional. Aos poucos a criança adquire a capacidade para observar o mundo de forma mais integrada, ao mesmo tempo que a noção do eu e do outro tornam-se mais claras. Resultante destas matrizes vinculares, esta configuração define algumas bases para o futuro e suas possíveis adversidades.

Quando surge o evento traumático a estabilidade das defesas e o equilíbrio psíquico são postos à prova. Trauma associa-se à idéia de ferida ou furo. Freud o definiu como um evento que surge com tamanha intensidade que acaba por incapacitar o indivíduo de elaborar ou de reagir de forma adequada. Há um rompimento da articulação entre os afetos e seus representantes já constituídos. Processos de interação sociais e intrapsíquicos ficam abalados. Gera-se, portanto, um excesso de energia que demanda um inevitável e desgastante trabalho psíquico, pois este impacto promove a revivência das fantasias de fragmentação do início da vida. A fragilidade e o desamparo primitivos retornam e podem desencadear sintomas tais como intensa ansiedade, desespero, insônia e pesadelos. A força para reconstruir uma conduta vital positiva, num espaço de tempo razoável, indica subsídios de auto proteção diante das adversidades, bem como uma integridade psíquica estabelecida nos pilares da vida mental. A tolerância para enfrentar o acontecimento traumático, traz maior capacidade para elaboração da experiência dolorosa. As possibilidades para a reorganização de uma vida mental saudável aumentam. A resiliência reside na confiança que permanece presente e viva, mesmo diante de situações difíceis; uma chama de vida que se mantém, apesar da dor. Como diria o poeta Thiago de Mello “faz escuro mas eu canto, porque a manhã vai chegar”

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