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SOBRE A DOR

                              “a recordação da felicidade já não é felicidade; a recordação da dor ainda é dor”  Lord  Byron

                                                                                                         

                            Freud começou sua carreira profissional como neurologista  pesquisador de animais inferiores tais como celenterados, lampreias,etc…. Observador incansável, desenvolveu interesse nos processos humanos degenerativos e ficou intrigado com o trabalho de Charcot sobrea Histeria. Na época os chamados sintomas de conversão traziam manifestações curiosas de paralisias parciais e sensações de anestesias que não correspondiam à lógica dos trajetos das vias nervosas ou às organizações neurológicas de comando do cérebro. Por esta razão, muitos médicos tratavam com desdém e chegavam a duvidar da veracidade daquelas lamentações, atribuindo uma possível simulação na busca por atenção provocada intencionalmente pelos doentes. A partir de um princípio presente em todo organismo vivo – o da Homeostase- Freud, aliado a seu amigo Breuer, reconhece nos sintomas a necessidade de descarga de uma tensão. Seriam eles expressões de algum desejo reprimido, impedido de se realizar livremente. Há, portanto, em suas hipóteses, forças pulsionais que buscam vazão. Sintomas seriam, então, caminhos camuflados para o alívio desta energia recalcada.

                          É interessante notar como os sinais de conversão histérica no final do século XIX tinham características peculiares, muito diferentes das queixas contemporâneas.                         

                         A revolução provocada pela psicanálise envolve uma compreensão abrangente sobre os fenômenos humanos; a complexidade de fatores cria uma espécie de caleidoscópio, onde o biológico e o psíquico estão num diálogo constante. Corpo e mente fazem parte desta trama indissociável que acaba por conduzir aos tratamentos uma abordagem interdisciplinar. Processos somáticos, portanto, tem suas implicações psíquicas e vice versa. Vale observar como as questões culturais afetam diagnósticos, psicodinâmicas, síndromes, etc. Há, portanto, uma espécie de simbologia subjacente e cabe aos psicanalistas buscarem refletir sobre o significado destas experiências.

                        Freud utilizou o conceito de representação para explicar este mecanismo psíquico. De maneira didática, podemos dizer que este processo de representação está associado ao conteúdo mental: a nossa capacidade para construirmos imagens, fantasias, memórias e significados para as vivências..

                        Quando nascemos, temos no corpo físico o campo de sensações que marcarão o corpo psíquico. Com o desenvolvimento da linguagem, passamos a assimilar os significantes da cultura e construímos o mundo simbólico e a realidade psíquica. Assim, cada indivíduo constrói seu mundo interior de forma singular. Mesmo diante de um fato concreto, cada um de nós estabelecerá um olhar subjetivo. Para exemplificar, uma fratura ou uma queimadura no corpo, por mais fisicamente dolorosa, terá seu substrato emocional; a imagem mental da dor não é a mesma para todos que a sofrem.

                        Pesquisadores em neurociências não tem dúvida em relação à importância dos fatores psíquicos como uma das principais causas das sensações dolorosas. Por esta razão, muitos pacientes com dor crônica, embora submetidos a exaustivos exames, não conseguem encontrar causas tangíveis para seu sofrimento. Casos como os da fibromialgia seriam exemplos claros. Se considerarmos  o ego corporal como primitivo, as primeiras matrizes de troca com o ambiente deixam marcas primitivas que ficarão presentes em nossa memória sensorial. Sintomas psicossomáticos podem ter origem nestas primeiras experiências. Como diz Nasio em seu livro A Dor Física: “ O corpo é uma tela sobre o qual se projetam lembranças e o atual sofrimento somático do paciente é a ressurgência viva de uma primeira dor esquecida”. Pacientes psicossomáticos ou com dor crônica, muitas vezes apresentam dificuldade em associar suas dores a possíveis causas psíquicas. Há uma espécie de isolamento mental das outras representações. A intensidade deste sofrimento pode, inclusive, impedir uma vida mais criativa; consumido pela dor, parece sentir uma espécie de esvaziamento interior que, muitas vezes, leva também à depressão. Nestes casos, podemos entender seu corpo na luta para falar algo  Nele podem estar inscritos registros da história de vida, suas emoções e angústias e, talvez por alguma dificuldade em traduzir de outra forma, é o corpo que grita por socorro.

                   Este é um dos grandes desafios no tratamento de pacientes com dor. Seu tormento invade  sua mente e impede ressignificar o que vive. Isto tende a torna-lo  refém de sua dor e contagia sua identidade.

                    Em psicanálise, este processo de procurar novas representações para além da dor, pode permitir uma ampliação do campo simbólico. A ferramenta a ser utilizada é a fala.  Caberia ao analista tentar ouvir o que ainda não foi pensado ou dito, abrir  espaços psíquicos para outras angústias, até então silenciosas, serem declaradas.

                   Novas configurações poderão surgir e um novo lugar para o sujeito poderá se apresentar. A arte também poderá ser um caminho transformador. Lembro Frida Kalo, que através de seu trabalho tentava dar novo colorido às duras limitações físicas que enfrentava.

                                                                 Erane Paladino

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