Um grande desafio
No início dos anos 80, em uma entrevista, Tom Jobim foi questionado por ter feito uma obra prima sob encomenda: tratava-se da reconhecida valsa “Luiza” tema de uma novela global.
“Onde você encontrou inspiração para um trabalho tão primoroso com uma função descartável?” Sua resposta foi incisiva: “ Inspiração? Sou um trabalhador dedicado e apaixonado pelo que faço; você já foi alguma vez ao dentista e ele não te atendeu por não estar inspirado?
Sua resposta traz uma reflexão contemporânea: a necessidade de resultado imediato e valores sociais associados a um modelo de felicidade e prazer infindáveis tem dificultado, especialmente aos jovens, uma atitude mais constante e coerente em relação às suas metas e objetivos de vida. Os que pertencem à classe média, por exemplo, apesar de muito bem informados devido ao amplo acesso que a internet proporciona, apresentam, em sua maioria, certa resistência a aceitar o tempo como grande aliado para realização de seus sonhos. Ansiar pelos resultados instantâneos gera ansiedade e instabilidade emocional e, neste redemoinho, o sentido do que se pretende acaba por se perder. Se a adolescência e o início da vida adulta já são fases de transição e incertezas, nos dias de hoje, o mundo idealizado de imagens das mídias sociais oferece a ilusão de uma alegria, beleza e satisfação profissional plenas que, em vez de incentivar, pode paralisar. Como consequência, os transtornos de ansiedade, as manifestações depressivas e as indecisões tem aumentado significativamente.
Agnès Varda, fotógrafa, cineasta e artista plástica belga radicada na França, morta recentemente aos 90 anos, deixou como último legado um documentário autobiográfico ( Varda, por Agnès); em suas explanações, deixa claro o tecido feito pelo seu trabalho artístico, sempre entrelaçado às suas vivências emocionais e pessoais.
Logo no início do filme, apresenta as três habilidades necessárias para a construção de um trabalho: inspiração, criatividade e capacidade de realização. Estes elementos, portanto, não são independentes. Fazer e sentir atuam juntos e vibram em harmonia. Em seu percurso também fica clara a importância de se pensar de forma crítica o resultado, como também, abrir espaço para a ousadia, mas com primor técnico bem fundamentado. O processo de amadurecimento pessoal e profissional também estão em um constante diálogo.
Stephen Nachmanovitch no livro “ Ser Criativo” lembra Michelangelo quando, inspirado por uma ideia, usa o suor de seu árduo trabalho nas pedras, não para produzir estátuas, mas para libertá-las. Há, sem dúvida, o prazer e a epifania no momento do projeto, algo no campo do intuitivo, difícil de explicar….uma capacidade de síntese, onde as conclusões parecem anteceder as premissas. Mas a prática nos ensina os limites e possibilidades reais. Se a escolha profissional vier com amor, exigirá perseverança e persistência. A história constrói um processo sólido, neste caso. A prática refina, corrige e por esta razão, permite o desenvolvimento e o aprimoramento do que somos capazes de produzir de verdade…..A vida é movimento constante, a tensão necessária para estarmos em constante transformação. O saber criativo depende deste movimento.
O autor conclui : “ Por mais louca que seja a nossa época, temos que ter fé na retidão de nosso propósito, na utilidade dos obstáculos, provações e lições com que deparamos ao longo do caminho, na integridade e no mistério de nossa própria evolução”.