Uma pandemia global fez com que o mundo parasse. Empresas implementaram sistemas de trabalho remoto. Migramos nossas relações para o universo digital. Muitas pessoas deixaram de circular pelas cidades, “poupando” tempos de deslocamento que são considerados “vilões” da qualidade de vida, especialmente nas grandes metrópoles.
Por incrível que pareça, todo este movimento não significou necessariamente uma desaceleração da vida. Pelo contrário. Em alguns casos, representou uma aceleração.
Produtividade
No mundo do trabalho, as pessoas não só não reviram suas concepções de produtividade, como em alguns casos, se cobrou ainda mais produtividade do que antes. Isso sem falar nas injustas transposições de trabalho para o espaço doméstico sem qualquer tipo de apoio ou compreensão com os trabalhadores e com os diferentes contextos familiares, desigualdades sociais e arranjos tecnológicos no ambiente doméstico.
Ansiedade
Vivemos a transposição da nossa vida para o ambiente doméstico. Os muitos eixos de relações foram contraídos e comprimidos no espaço da casa e no tempo do dia. Algumas pessoas não só não ficaram em paz com isso, como ficaram ainda mais ansiosas, deprimidas ou estressadas. Isoladas, as pessoas foram ainda mais acometidas pelos males causados pela relação delas com o tempo. Claro que isso não é uma generalização. Existem pessoas que gostaram de ficar mais tempo em casa, afirmam que sem o tempo do deslocamento na cidade, foi possível dedicar este tempo a outras coisas e que estão tranquilas em seus lares. O que quero dizer aqui é que isso não é uma regra. Não é todo mundo que desacelerou pelo fato de estar em casa. Pelo contrário. Ficar em casa isolado foi gatilho para muita gente entrar em estados e condições difíceis.
Futuro
Ainda que tenha sido vista por algumas pessoas como uma “oportunidade ecológica”, a pandemia foi vista pelos estudiosos de tendências como “aceleradora de futuros”. Ou seja: em vez de olharmos para este período como uma possibilidade de realmente parar e olhar para nossas escolhas como humanidade, estamos – novamente e com pressa – mirando a aceleração, a pressa, o avanço, o progresso, o desenvolvimento, sem pensar que, por exemplo, a tão venerada inovação pode estar justamente (como acredito) na desaceleração destes motores.
Sabem por que não desaceleramos?
Desacelerar não é parar. Desacelerar tampouco é ser devagar.
Desacelerar é recobrar os sentidos. Sair do automático. Reivindicar a nossa humanidade. É se perguntar quando a velocidade faz sentido e quando ela não faz, mas estamos correndo, porque isso já virou o nosso “natural”.
Paramos, mas não desaceleramos, porque – como afirmou a escritora Lili Prata – a pausa só é descanso quando a pressa não está internalizada. Ou seja: não adianta parar, se a pressa está incorporada como modo de vida automático.
Não desaceleramos, primeiro porque desacelerar (enquanto escolha individual) não é um processo de fora para dentro, mas sim, um processo de dentro para fora. Que requer vontade, mudança de atitude e energia dedicada. Segundo, porque desacelerar (enquanto escolha coletiva, de projeto de sociedade) é uma opção pelo decrescimento, pela preservação socioambiental, pela redução do lixo, pela flexibilização do trabalho, pela redução das metas econômicas, pelo repensar da noção de produtividade, pela reconstrução dos contratos de tempo.
Desacelerar é a única saída que nos resta como humanidade. E, ainda que eu acredite que não existe lado bom no que estamos vivendo, que é uma grande tragédia humanitária, penso que existem alguns aprendizados possíveis de serem extraídos desta experiência.
Talvez não tenhamos aprendido a desacelerar.
Pelo contrário: talvez saiamos desta ainda mais cansados, esgotados, exaustos e com pressa.