Um dos monstros sagrados do cinema francês, com mais de 90 filmes no currículo, o ator Daniel Auteuil estreou na direção com o drama romântico “A FILHA DO PAI” em 2012. Ele traz poesia ao cinema. Como ocorre essa relação?
A POESIA NO CINEMA
“A poesia pode comunicar-se, ainda antes de ser compreendida” T S Eliot (*)
Há dois tipos básicos de público para o cinema: os que se interessam por ação com efeitos especiais e os outros. Eu me incluo no segundo time, preferindo texto e qualidade de imagens. É também provável que nesse tipo de narrativa encontremos poesia. E já que ela é originária da literatura, perguntamos, como se faz poesia no cinema?
São muitos os exemplos de filmes em que podemos ter uma experiência poética. Foi assim com esse filme de dirigido por Daniel Auteuil em adaptação do romance de Marcel Pagnol (1895-1974). As resenhas acerca desse filme são controversas. É um dramalhão novelesco? O primeiro – e especial – de um grande ator estreando na direção? Mas, todos os críticos observam a mobilização de um romantismo ou um sentir especial poético, que é experiência de natureza individual.
A história é passada em uma zona rural da França. Patrícia (Astrid Bergès-Frisbey) é filha de um poceiro (Daniel Auteuil) e conhece Jacques Mazel (Nicolas Duvauchelle), de família rica, de quem engravida. O rapaz é piloto e tem que deixar a cidade às pressas, convocado para a Segunda Guerra. A partir daí, a história apresenta a crise que essa situação promove entre o poceiro e a filha, e com os pais de Jacques. O desenrolar da narrativa nos traz algumas surpresas. Acabamos por desejar um final feliz para as personagens.
Talvez por aspectos de simplicidade, o filme ganhe o rótulo de novelesco. Há nessa avaliação uma injustiça para com o talento do diretor, pois observamos mais nesse filme. As questões familiares, às voltas com os conceitos morais, fogem da superficialidade. Nem todas as personagens se aproximam de estereótipos. A resolução das situações traz traços de realismo e de humor. Seus diálogos rompem nossa expectativa. Os cenários e imagens extrapolam em beleza. Esse conjunto nos oferece uma compreensão do mundo em que entram lirismo e delicadeza, transformando a realidade prosaica em contexto poético. A imaginação entra na composição desses dados e mobiliza romantismo. Por isso, talvez seja novelesco para alguns.
E voltando ao que nos interessa, a liberdade de imaginação e o lirismo serão os responsáveis pelo poético? Explicações didáticas não darão conta da complexidade da questão.
A POESIA, DA LITERATURA AO CINEMA
Segundo Eliot (1888-1965), a poesia pode ser percebida de acordo com a comunicação. Nesse caso, a que se dá entre o diretor do filme e o expectador. Ela dependerá da linguagem utilizada e de dados menos mensuráveis tais como a sensibilidade das pessoas envolvidas. Há aspectos que possibilitarão (ou não) a sintonia necessária para a comunicação. E então a poesia será (ou não) vivida como tal.
E apesar de uma demanda de ação e realidade, a poesia acaba surgindo no mundo do cinema em múltiplas formas. Por exemplo, o documentário LIV E INGMAR, UMA HISTÓRIA DE AMOR (2012) nos apresenta poesia explícita enquanto Liv Ullman descreve as fases de sua vida na alegria e na dor. Selton Melo em O PALHAÇO (2011) nos deixa inquietos e desconcertados com suas metáforas. Ele parece namorar o realismo fantástico ibero-americano e faz poesia em sua forma mais radical.
Opto por assistir a filmes assim poéticos. São obras que representam a realidade com diferenciais, algum lirismo, inteligência e imaginação, não necessariamente todos ou nessa ordem.
Peço aos deuses e, em especial a Netuno, que me salve da realidade nua e crua. Que eles me conduzam por águas nunca dantes navegadas, cheias de representações líricas da realidade. Que eu possa usufruir no cinema desses momentos em que podemos ir além do efêmero, dialogando com esse cinema sensível, passível de nos conduzir por experiências difíceis de serem explicadas.
Como a desse filme bucólico e otimista, ou como na descrição do relacionamento da vida real de Liv ou ainda como a do maravilhoso mundo do circo de Selton Melo. E que Daniel Auteuil, depois dessa obra rural e delicada, possa nos dar mais poesia em forma de cinema.
PS: Que tal você compartilhar comigo sua experiência com filmes em que há contextos poéticos?