Oi, eu sou a Priscilla, tenho 35 anos e não quero ter filhos. Me dei conta disto aos 20 e tantos anos, mas quando entendi que ser mãe não era um desejo que fazia parte de mim, me dei conta de que, na verdade, isto sempre esteve aqui dentro, essa não vontade de ser mãe de alguém.
Como é um assunto que me interessa e sobre o qual eu gosto de pesquisar, um dia eu descobri o trabalho da Orna Donath, uma israelense, antropóloga e doutora em sociologia (que também não quer ser mãe) e que fez uma pesquisa com mulheres que se arrependeram de terem se tornado mães. Isso mesmo, elas se arrependeram. Estas mães não são as que sofrem da ambivalência e os conflitos da maternidade (graças a Deus e à coragem dessas mulheres, um assunto muito falado hoje em dia) que consistem em mulheres que amam os seus filhos, mas odeiam a maternidade. Não. Mãe arrependidas são aquelas mulheres que se arrependeram de ter filhos. Se pudessem voltar atrás, não os teriam tido, apesar do imenso amor que sentem por eles. Na opinião destas mulheres, as vantagens de terem se tornado mães não superam as desvantagens do que, para elas, é um peso angustiante.
Assim que o livro saiu, fui logo comprar. Mães Arrependidas, Uma Outra Visão da Maternidade (Ed. Civilização Brasileira). Resolvi lê-lo quando fui gravar um episódio do meu podcast, o Porta Aberta, chamado Filhos? Não, obrigada, com a advogada Patricia Marxs, dona do instagram @laqueadurasemfilhossim (clique aqui para ouvir o episódio). E qual não foi a minha surpresa quando me deparei com um livro que todas as pessoas, principalmente as que se identificam como mulheres, deveriam ler!
Não tem como não passar por tantos depoimentos, tantas histórias e não se colocar, por cinco minutinhos apenas, no lugar delas. Algumas destas mulheres já são avós, inclusive. E, sim, elas se arrependeram. Imagina só como deve ser passar uma vida toda esperando aquele sentimento prometido e maravilhoso de completude e felicidade plena e ele nunca chegar! Alguns podem até argumentar que isso não existe e que não conhecem nenhuma mulher que se arrependeu. Na verdade, as chances delas existirem e estarem bem ao nosso lado são enormes. Não as vemos porque elas foram e são silenciadas. Sabe por quê? Porque dentro da nossa sociedade machista, patriarcal, heteronormativa e viciada em performance e ganhos financeiros, o arrependimento é visto como fraqueza e fracasso. E por medo de serem julgadas, muitas se calam. Se calam as que não querem ter filhos, se calam as que tiveram e se arrependeram, se calam até mesmo aquelas que passaram por luto gestacional e/ou neonatal. Vocês já perceberam que não falamos sobre este tipo de luto? Quando uma mulher perde um bebê, tem sempre alguém para dar um tapinha em seu ombro e dizer “com a minha prima também aconteceu”, ou o clássico “fique tranquila, daqui a pouco você engravida de novo”. Como se isso resolvesse e tirasse com as mãos a dor daquela mulher. Como se qualquer bebê servisse. Como se a mulher devesse se levantar e enfrentar prontamente a vida. Se ela demora muito para se recuperar é chamada de desequilibrada, fanática, intensa demais… É quase como se o amor por aquele feto não fosse possível. Ironicamente, em uma sociedade que condena e criminaliza o aborto.
Para mim, tudo isso é única e somente a vontade de manter o controle sobre nossos corpos.
– “Perdeu o seu filho? Sinto muito, mas logo logo vem outro por aí. Levanta e sacode a poeira que o seu marido precisa de você”.
– “Não quer ser mãe? Você nunca será uma mulher completa, vai ser uma infeliz, solitária”.
– “Como assim se arrependeu de ser mãe? Filhos são bençãos. Você não passa de uma doente, psicopata que precisa se tratar!”.
– “Você acha a maternidade difícil? Não reclame! Seus filhos são saudáveis, é um pecado você reclamar que dão trabalho. Vai ver só o dia que Deus resolver te tirar um deles. Aí você vai ver…”.
Devemos ser boas mulheres, filhas, esposas, mães, não reclamarmos, não falarmos palavrão, termos uma boa aparência, construirmos uma carreira, nos cuidar, cuidar da casa, do marido, dos filhos, dos sogros, nos doar ao máximo e sempre com um sorriso no rosto, com a sensação de completude e a felicidade plena de que é essa a nossa missão e que, apesar de trabalhosa, tudo vai valer a pena.
Infelizmente, muitas vezes, as maiores e mais cruéis cobranças e julgamentos vêm de outras mulheres, que deveriam ser as primeiras a acolherem essas possibilidades, entenderem que somos diversas, somos plurais e que diferentes desejos e formas de viver habitam cada uma de nós. Por isso que eu repito: da mesma forma que temos hoje muitas mulheres falando sobre a maternidade real e sua ambivalência, precisamos dar espaço, ouvir os relatos e acolher as mães que se arrependeram dela. Enquanto não ouvirmos essas mulheres e não entendermos que a maternidade pode e deve ser uma escolha – claro, eu não estou aqui falando sobre mulheres que muitas vezes não têm acesso a métodos contraceptivos (aliás, também é de se pensar que em países que condenam o aborto, colocam o desejo da maternidade como inerente a todas as mulheres e nas quais a sociedade joga toda a responsabilidade de prevenção. Por que é que as classes mais altas vão se indignar que pessoas mais pobres tenham pouco acesso a métodos contraceptivos?) -, vamos continuar dando murro em ponta de faca na busca pelos nossos direitos e pela equidade.
Este texto não é nem de longe um incentivo a não maternidade. Deus me livre, não quero convencer ninguém a não ter filhos – muito pelo contrário, sou uma grande incentivadora quando a maternidade é desejada! É apenas um texto para que as mulheres possam refletir sobre um assunto que nos é colocado como inerente a nossa condição de mulher, como nosso propósito e vontade maior de vida. É um texto sobre o poder da escolha. É, acima de tudo, um texto sobre o direito de se arrepender. É um desejo de que um dia uma mulher possa dizer “Oi, eu sou mãe e me arrependi” sem medo de ser julgada.