( Título inspirado na canção Feliz Caminhar, de Zélia Duncan e Paulinho Moska)
Muito se fala sobre todas as implicações sociais e econômicas da pandemia de coronavirus pelo mundo…..mas estou aqui a pensar (e muito!) sobre as consequências na saúde psicológica do isolamento social, que levam também ao isolamento familiar, sem contar as angústias diante da perspectiva de alguém querido vir a manifestar a doença. Cá estamos a fazer parte da história da humanidade, queiramos ou não.
É inevitável sermos absorvidos por este duro tema, onde o protagonista é um inimigo invisível, altamente contagioso e disseminado no mundo. E como ser criativo, como se interessar pela ficção quando a realidade lembra qualquer filme B?
Durante um período de crise, entramos em contato com feridas profundas. Nossa vulnerabilidade fica mais exposta. Estamos flagrados diante de uma vivência inesperada e não temos para onde fugir.
Mas, talvez este momento permitiria o olhar mais apurado por um aspecto humano que tem sido negligenciado. Nos dias de hoje, a tecnologia traz um acesso à comunicação nunca imaginado….o tempo e o espaço ganharam distância e quase se perderam: por exemplo, acessamos informação sobre o que acontece no mundo de forma simultânea e imediata. Se preferirmos assistir a um concerto em Viena sem sair de casa ou visitar o museu do Louvre, mal precisaremos levantar da cadeira. Neste ritmo também estão aliados a pressão por resultados no trabalho, o estímulo ao consumismo sem limites e um apelo enorme à imagem, à beleza e felicidade, absolutamente idealizadas e propagadas nas mídias sociais. E lá vão todos freneticamente na busca de ser “ prime”, “Vip”,”exclusivo”. Nesta correria desenfreada, onde, de verdade, estamos? Difícil acessarmos esta questão….
Pois não é que agora o mundo parou e nos obrigou a parar? Diante de tanta individualidade, descrença nos líderes políticos e valores superestimados, fomos compelidos ao recolhimento e ao isolamento social. E não adianta a pressa e aquela já conhecida ansiedade por soluções rápidas. Nossa tendência natural seria buscarmos alguma experiência anterior como referência, mas este momento é real, porém inédito. A incerteza diante de um cenário disruptivo gera stress e sintomas muito intensos: sentimentos de perseguição, insegurança, depressão, angústia, insônia e algumas comorbidades como alcoolismo, drogadicção e doenças psicossomáticas costumam surgir também.
Ao mesmo tempo, pode haver uma saída: que tal tentar resgatar o que poderia ser essencial, dentro de você? O recolhimento e o silêncio permitem um acesso à subjetividade e facilita uma reflexão menos alienada sobre quem somos e o que realmente queremos. Eles são necessários e imprescindíveis ao desenvolvimento psíquico e ao equilíbrio entre corpo e mente.
Há um diferença significativa entre Desejo e Necessidade e, raramente paramos para pensar sobre a relevância destas duas concepções. Como robôs teleguiados, saímos por aí desenfreados na busca de atingir metas que talvez nem mesmo nos pertençam. Esta “parada forçada” do mundopermitirá, por outro lado, uma oportunidade de transformação interior. Se o mundo externo exigiu tanto e deu pouco espaço às questões introspectivas, há um novo tempo para se reinventar, abrir espaço para interesses, pensamentos e emoções talvez adormecidas. E sem querer adivinhar onde chegaremos, vale agora olhar, sentir e observar com cuidado o caminho e o caminhar…..
Erane Paladino