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O mundo só quer chocolate

Já vou começar me explicando: eu amo chocolate. Adoro a textura, o gosto do cacau e, mais do que tudo, a incrível diversidade que o chocolate proporciona. Poucos ingredientes na cozinha podem ser tão modificados quanto esse manjar divino que os astecas descobriram há alguns séculos. Modificados gerando delícias universais, como a mousse, o bolo, a ganache, o brasileiríssimo brigadeiro, o pudim e tantas opções.

Eu, particularmente, gosto tanto de chocolate que gosto até do que não é chocolate, o polêmico branco. Não sabia que ele leva a fama de nem ser chocolate? Se você, como eu, ama a textura e o gosto amanteigado de um bom (eu falei bom) chocolate branco, saiba que, tecnicamente, ele não é mesmo chocolate porque não leva cacau na sua composição. Do fruto típico do sul da Bahia, fica a manteiga de cacau – justamente a responsável pela textura gostosa e cremosa.

Assim, já me absolvendo inicialmente dos ódios posteriores, ouso cravar: há chocolate demais no mundo. Sim, ele é divino. Sim, Nutella é gostoso (embora eu viva bem sem). Sim, chocolate é o preferido das crianças. Mas será que não é demais? Você já parou para pensar que podemos estar perdendo sabores diversos pela nossa obsessão pelo fruto do cacau – que não é nossa, mas sim uma questão de oferta de mercado, que lucra muito mais apostando no chocolate.

Estive recentemente na Bahia. A região Nordeste, abençoada com sol e calor o ano todo, é farta em sabores regionais: tapioca, coco, umbu, cajá, graviola.. sem falar nas frutas mais comuns que amadurecem muito rápido naquele clima maravilhoso, como goiaba, manga, banana. E o que encontrei em mais de 70% dos doces de uma das confeitarias mais típicas de Salvador: chocolate. Deu um desânimo olhar para aquela vitrine repleta de variações do mesmo tema e lembrar da minha primeira visita àquela região do Brasil, há 17 anos.

Naquele ano, 2001, a globalização já era forte mas não tão abrangente. O mercado de consumo do Brasil em alimentos não era tão homogeneizado como hoje e qualquer supermercado oferecia sabores regionais: doces e frutas típicos. Não era preciso ir aos mercados principais procurar essas iguarias pois elas estavam por toda parte. Havia chocolate, claro. Mas ele era uma parte, não a maioria.

Hoje, quem viu uma vitrine desse tipo, viu praticamente todas. Há pouco espaço para sabores regionais ou, até numa perspectiva mais simplificada, para diversidade de sabores. Tanto faz estar em Salvador ou na avenida Paulista. Perde-se em fortalecimento cultural, em diversidade biológica e em riqueza para os municípios, que são planificados pelos mesmos sabores.

Estou implicando com o nordeste, o meu paraíso de coração? Para deixar claro que implicância passa longe do meu julgamento, vou contar das duas vezes que estive no oásis da gastronomia mundial, Paris. Claro, há doces maravilhosos por todo lado, daqueles de fazer Maria Antonieta feliz. Croissants e pães então… Foi em Paris que comi A torta de limão da minha vida: azeda de verdade e sem leite condensado, puro sabor cítrico. Nunca esquecerei. Mas em Paris também há o império da Nutella. Praticamente todos os carrinhos e barracas que vendem os típicos crepes ostentam potes desse creme doce viciante, que leva quase nada de avelã, um teco de chocolate, muito, muito açúcar e o polêmico óleo de palma (vou deixar esse assunto para outro texto).

Estive na cidade luz a primeira vez em 2010 e a segunda ano passado, 2017. Nada mudou. Quer dizer, sim: os potes de Nutella ficaram maiores. Espalhados pelos principais pontos turísticos da cidade, capitaneados pela Torre Eiffel é possível observar um império global do chocolate.

Eu nunca me acabei num pote de Nutella? Claro que sim. Numa panela de brigadeiro? Daí é mais difícil, isso deve ter acontecido mesmo numa tigela cheia de mousse de chocolate, daquela bem tradicional feita com gema de ovo e tudo mais. Na hora da infelicidade não foram poucas as vezes na vida que recorri à tàtica Harry Potter e professor Lupin: Comer chocolate. Não lembra? No terceiro filme e livro da série escrita pela inglesa J.K. Rowling, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, o professor Remo Lupin dá chocolate à Harry para que ele se recupere de momentos de profundo stress. Faz todo sentido.

Reiterado meu amor pelos dons do chocolate, apenas sugiro que pensemos o quanto estamos perdendo em sabor pela homogeneidade que a indústria nos proporciona. O chocolate está por todo lado porque raramente consumimos um bom produto, com quantidade suficiente de cacau. Se assim fosse, não haveria tanto chocolate no mundo. Será que não é essa onipresença comercial que explique que 9 entre 10 crianças escolham chocolate como sabor de bolo de aniversário, por exemplo? Será que escolhem ou a oferta as leva a isso? Para pensarmos.

Eu que sou do time da goiabada (amo mais do que qualquer doce nessa vida), acho uma heresia quando vejo bolo de rolo de chocolate, por exemplo. Sonho de chocolate? Também não sei lidar. Ao trocar todos os sabores regionais por um único, perdemos. Basta experimentar um pouco mais e procurar outros sabores. Se essa necessidade se difundir, a indústria muda, preservando o chocolate como a iguaria divina que é, e não como um sabor fácil e que resolve qualquer problema, exatamente como acontece hoje.

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