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O mistério chinês:

o papel de Confúcio na noção de coletividade a partir do I Ching

Julho de 2020. Há quase dois anos desaparecida de Rede Bellatrix, senti o chamado de vir aqui continuar com a missão que a nossa querida Titi Vidal me convidou a cumprir neste espaço. E que momento para refletir sobre o I Ching e a cultura chinesa, em meio a tantas polêmicas e desinformação nesta pandemia do novo coronavírus! No entanto, não é sobre o vírus que quero falar, mas sobre o papel do primeiro grande professor chinês e fundador da ideia de escola pública no mundo: Confúcio.

É de Confúcio os comentários dos 64 hexagramas no famoso livro que popularizou o I Ching  no ocidente, com prefácio de Carl Gustav Jung e tradução de Richard Wilhem. Aquele livro da capa azul escura…pois bem, há uma razão para isso, e bem prática, como de costume na tradição oriental. Os comentários dos hexagramas feitos por ele tiveram a função de educar os chineses de modo a orientar que a ação individual só é considerada bem sucedida se for contribuir para o bem de todos; não há sentido em alcançar a boa fortuna se isso, de alguma forma, prejudica uma pessoa ou um grupo de pessoas. É uma ideia que se opõe fortemente à cultura do individualismo ocidental.

Por isso o I Ching, como oráculo, é muito difícil de ser estudado e compreendido no ocidente. Por exemplo, há quatro virtudes que norteiam sua interpretação e que invariavalmente aparecem como texto para ser lido e interpretado: Princípio, Abertura, Harmonia e Retidão. O primeiro já nos diz que é preciso partir de um princípio; se não há princípios, como prosseguir? Para seguir adiante, é preciso ter alguma abertura. Às vezes temos; às vezes não. 

Na filosofia taoísta que norteia o  estudo deste oráculo, se não há abertura pode ser que nos deparemos com textos como por exemplo “seguir adiante não é boa fortuna”. Nossa primeira reação é de frustração e de fazer valer, a qualquer custo, nossa vontade de ir adiante; mas isso seria contra o fluxo do Tao. Depois, a Harmonia, que significa conseguir sustentar, na prática, o que se colocou como princípio. Por fim, a Retidão, que indica o grau de consciência que se consegue ter (ou não) para seguir pelo princípio. Ou seja: é preciso ter princípios, um ponto de partida claro de porquê quero empreender o que desejo, com quais  condições,  regras,  limites, e planejamento.

Na tradição taoísta do I Ching, ensinada pelo mestre Wagner Canalonga na Sociedade Taoísta de São Paulo (http://www.sociedadetaoista.com.br/sp), meu professor, o seu mestre, Wu Jyh Cherng, passou a tradição que não é a que o famoso livro de Wilhem ensina. Nos textos da Sociedade, os comentários dos hexagramas são do Rei Wen e do Duque de Zhou, personagens históricas que comentaram se norteando por uma função oracular do I Ching. Confúcio aparece aqui, mas com a ressalva que seus comentários visam sempre a função educativa da sociedade, e não oracular; veja, por exemplo, o comentário de Confúcio sobre o hexagrama 5 na contagem taoísta (35 no livro de Wilhem), “Progresso”:

“A Luminosidade resplandece sobre a Terra, o Progresso.
O Homem Superior utiliza sua própria Luz para evidenciar a virtude.” 

Como o I Ching opera uma linguagem codificada, O Homem Superior aqui é o Sábio, que está na sexta linha do hexagrama, e o comentário de Confúcio sugere que a pessoa sábia usa sua consciência para iluminar as virtudes e potenciais dos outros. A responsabilidade de quem tem mais experiência e conhece mais é essa, usar seu conhecimento a favor das pessoas, e não contra elas; ou, então, para tirar vantagem delas. Este é o verdadeiro progresso. Que possamos, então, nos guiar pela nossa consciência luminosa e de todos ao nosso redor, nestes tempos que se avizinham.

Imagem: Estátua de Confúcio no Templo de Confúcio, Pequim, China.
Crédito: Daniela Osvald Ramos

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