Em um de seus artigos publicados pela Folha de São Paulo, o psicanalista Contardo Calligaris alega ter presenciado “ jovens pasmos, atirados na cama, enquanto seus pais, a mil, enfiavam seus capacetes, coletes salva vidas e caiaques na perua da família.” Esta imagem sugere um curioso paradoxo: no imaginário adulto a adolescência parece carregada de sonhos de liberdade e ousadia. Nos anos 60, movimentos da contra cultura associavam a ideia de juventude à rebeldia e à busca de uma revolução aos padrões estabelecidos. Mas nos dias de hoje, especialmente os jovens de classe média parecem trazer uma espécie de passividade e contemplação.
Como pensar a atitude do jovem hoje? A adolescência se caracteriza por um período de transição; mudanças fisiológicas, físicas e hormonais trazem implicações psíquicas significativas. Trata-se também de um período de luto, onde a infância parece ganhar distância e, com ela vão também aquele modo de relação com os pais e um novo lugar na vida social e familiar. Diante das transformações físicas evidentes, passamos a não nos reconhecer. Com os apelos sociais, toda uma ambivalência em relação a quem somos ou queremos ser se avizinha. A fragilidade emocional e a insegurança conduzem a referenciais nos grupos, que geralmente são muito fechados em relação aos valores, hábitos e comportamentos. Quem sabe, esta maneira rígida possa garantir uma identidade grupal mais definida, já que individualmente não há ainda amadurecimento. A instabilidade característica deste momento justifica, segundo o psicanalista argentino Knobel, algumas surpresas: “O adolescente passa por desequilíbrios e instabilidades extremas. Em nosso meio cultural mostra-nos períodos de elação, introversão, alternando com audácia, timidez, descoordenação, urgência, desinteresse ou apatia que se sucedem ou são concomitantes com conflitos afetivos….” A este movimento, o autor denomina Síndrome Normal da Adolescência. Referenciais sociais e culturais interferem no jovem de forma contundente. Sua vulnerabilidade o faz receptivo às solicitações do meio. A internet, os influenciadores e o acesso à informação trazem paradigmas de comportamento. A apatia pode estar associada a este contexto. Para compensar as angústias, vem o anestesiamento e a contemplação diante das cores vibrantes e movimentos rápidos das telas. Filmes, vídeo games, youtubers, transmitem com velocidade e muita ação imagens fragmentadas e intensas. Em suas camas, garotos e garotas recebem todo um universo de estímulos sem sequer fazer algum movimento.
A sociedade atual tem características peculiares e diferentes do pós-guerra que caracterizou as décadas de 60 e 70. Possibilidades múltiplas em relação ao futuro, aos estudos e a força da mídia a vender modelos de perfeição, competência, beleza e felicidade acabam por oprimir o contato com a essência e a verdade interior. O imediatismo e a forte competitividade podem gerar uma espécie de desencanto. Embora haja um clima de liberdade no ar, falta espaço para o subjetivo e o singular. O contato com as emoções verdadeiras e o tempo precioso para estarmos voltados à introspecção e auto -conhecimento parecem escassos. Retomar a noção de processo, contar com o ritmo natural da vida e com o amadurecimento que depende da experiência, podem ser caminhos férteis. O filósofo Rouanet, no artigo O Mal Estar na Modernidade diz: “ É justamente da liberdade que partem agora os impulsos para dominar os homens. A repressão assume a forma de liberdade. A violência do pensamento não se manifesta mais como proibição de pensar, mas como liberdade de pensar o que todos pensam”.