A pandemia tornou comum e potencializou o fato de fazermos muitas coisas ao mesmo tempo e com pressa. O slow valoriza o monotarefa e a pausa.
Na semana passada, assisti a um debate transmitido por um canal no YouTube. Os participantes, cada um de um ponto diferente, se “reuniram” em um destes aplicativos de transmissão que mostram, para nós, espectadores, várias “janelinhas”.
Percebi que os “debatedores” só estavam olhando para a câmera quando estavam falando. E quando um outro integrante do debate falava, eles interagiam com o celular, falavam com outras pessoas ou ainda direcionavam o olhar para a tela, mas nitidamente, fazendo outra coisa (teclando, mexendo no mouse).
Microfone fechados, para “respeitar” a etiqueta combinada, quando convocados pelo mediador do debate, eles não tinham a menor condição de dialogar com as falas das outras pessoas, simplesmente, porque não estavam ali. O mediador fazia um papel de recuperar a fala dos demais, para que os outros pudessem minimamente reagir a uma ideia que tinha sido defendida antes.
E quando eu falo que eles não estavam “ali”, quero dizer que eles não estavam partilhando uma qualidade de atenção plena e integral. Não se trata necessariamente de uma crítica ao espaço digital. Acredito que é possível realizar uma boa conversa mediada pelas telas. Mas para que isso aconteça, é preciso atenção plena.
Saí daquele debate pensando. “A pandemia naturalizou o multitarefa”. Como as pessoas não estão ali, presencialmente, as outras se sentem autorizadas, de alguma forma, a fazerem outras coisas enquanto estão em uma (suposta) interação.
Claro que isso não é uma novidade da pandemia. Quem nunca passou pela situação de uma outra pessoa, em uma conversa, dizer “pode falar, que estou escutando”, enquanto mexia no celular?
Mas a pandemia naturalizou e potencializou isso. E o que acontece com a comunicação, quando normalizamos o fato de fazermos muitas coisas ao mesmo tempo e nada de forma dedicada e concentrada? Eu arrisco dizer: não existe comunicação.
E isso vira uma “bola de neve” ao longo de um dia, porque além de sermos multitarefas, somos multitelas e não temos mais intervalos para respirar entre uma atividade e outra.
Quando nos “deslocamos” entre telas, de uma atividade para outra, não temos o tempo do deslocamento mental e emocional que teríamos se estivéssemos nos deslocando geograficamente. Que impacto isso tem para nosso cérebro? Para nossa capacidade de compreensão? Para nossa capacidade de escuta? Para nossa capacidade de reflexão e interação real com o Outro?
O slow valoriza o monotarefa e a pausa. Quando nos dedicamos a uma coisa de cada vez, fazemos esta coisa com toda nossa energia e – paradoxalmente – isso pode ser até mais veloz do que seria se fizéssemos com a atenção dividida com outras coisas.
O mundo apressado valoriza o multitarefismo e a pressa. E a pandemia naturalizou o multitarefa, porque estamos sempre diante da tela. Mas o multitarefismo é ruim para o cérebro, favorece a distração, aumenta a possibilidade de cometer erros, afeta a memória, causa ansiedade e inibe a criatividade.
Tenho certeza de que ser multitarefa e multitelas vai comprometer muito nossa capacidade de ressonância. Claro que isso é um palpite. Talvez tenhamos alguma ideia deste impacto dentro de alguns anos. Mas temos algumas pistas no agora. E temos também algumas alternativas para pensar e mudar as coisas no durante.