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Narrativas Oníricas e Linguagem Simbólica

O mundo inconsciente

Acreditamos ter consciência das motivações que geram nossas decisões e atitudes. No entanto, segundo Carl Gustav Jung, boa parte do que somos é, na verdade, inconsciente. Muitas de nossas decisões têm suas origens justamente no inconsciente e em motivações que não compreendemos por não termos consciência delas. Quanto menos conscientes disso, mais emaranhados ficamos neste inconsciente e menos compreendemos o que nos acontece.

Para Jung, o inconsciente é a nossa parte mais sábia, que conhece exatamente o caminho a ser seguido. Segundo ele, este inconsciente contém a base dos nossos pensamentos e atitudes conscientes e todas as respostas que precisamos para nos guiar. Além disso, o inconsciente capta as experiências vividas e tudo que ouvimos e experimentamos, que fica registrado em um nível subliminar. Mas, diferente do que Freud pensava, Jung acredita que o inconsciente não é apenas um depósito de experiências ruins e traumáticas nem de desejos reprimidos, mas também uma parte sábia de nós mesmos que contém muitas informações importantes sobre nossa vida e sobre quem somos.

Em nossa vida consciente, estamos expostos a todo tipo de influências, as pessoas nos estimulam e damos importância para objetos exteriores. Isso pode nos levar a caminhos opostos à nossa individualidade, ao que somos e desejamos de verdade (e que o nosso inconsciente sabe).

Mais do que isso, quanto mais a consciência for influenciada por preconceitos, erros e fantasias, maior a fenda que já existe naturalmente entre consciente e inconsciente, o que pode gerar uma dissociação neurótica e uma vida mais ou menos artificial, totalmente distante dos instintos naturais e da verdade. Ou seja, a pessoa vive sem estar de fato presente em sua vida. Além disso, quanto menos conscientes estivermos do nosso inconsciente, mais seremos dominados por ele, que passa a determinar os acontecimentos e circunstâncias externas, isto é, passamos a ser conduzidos por ele sem nos darmos conta.

Na visão de Jung, uma vida em equilíbrio depende da interligação entre consciente e inconsciente. Quando isso não acontece, surgem as doenças, os distúrbios, problemas e desequilíbrios. Jung (2012a:36) ainda nos alerta sobre o perigo do inconsciente crescer na mesma proporção de sua repressão.

Portanto, se “a mente humana divide-se em duas partes, consciente e inconsciente”, essa segunda é a mais ampla (VON FRANZ, 2009:35) por isso é tão importante compreender essa parte mais vasta que existe em nós. Ou seja, o inconsciente  “também é parte da nossa vida. Uma parte talvez até maior, mais perigosa ou útil que a nossa vida consciente” (JUNG, 2012a:35).

 

O caminho dos sonhos

Se o inconsciente, na opinião de Jung, é nossa parte mais sábia, como podemos conhecê-lo e compreendê-lo? É aí que entram os sonhos, nosso principal canal de comunicação com o inconsciente. O sonho é o caminho mais utilizado pelo inconsciente para se comunicar com nosso consciente. Os sonhos podem ser comparados a cartas enviadas todas as noites por essa nossa parte mais sábia (VON FRANZ, 2009:41). Um sonho não interpretado é como uma carta não lida.

Uma das principais seguidoras de Jung, Marie-Louise Von Franz (2009:34) nos lembra que “os sonhos têm sido considerados a via régia para o inconsciente”. Segundo ela “C.G.Jung viajou por essa via e trouxe consigo um mapa da psique humana”.

 

A linguagem dos sonhos

A linguagem escolhida pelo inconsciente para se comunicar através dos sonhos é basicamente simbólica. São símbolos produzidos espontaneamente pelo nosso inconsciente, que se manifestam na forma de sonhos (JUNG, 2008:21). Por isso nem sempre é fácil compreender o significado de um sonho, que muitas vezes não se parece em nada com as narrativas contadas pela nossa mente consciente. No entanto, durante um sonho tudo parece natural e compreensível, já que a narrativa inconsciente é simbólica e tem uma lógica própria.

Mas se ao tentar interpretar um sonho achamos sua linguagem incompreensível, os sonhos são a principal fonte de todo o nosso conhecimento a respeito do simbolismo. A vida onírica é “o solo de onde, originalmente, nasce a maioria dos símbolos” (JUNG, 2008:43). Por isso, quando queremos “investigar a faculdade humana de produzir símbolos os sonhos são, comprovadamente, o material fundamental mais acessível para isso” (JUNG, 2008:34). Nas palavras de Jung (2008:25): “os sonhos são o mais fecundo e acessível campo de exploração para quem deseja investigar as formas de simbolização do homem”.

Os sonhos são narrativas difíceis de se interpretar, já que sua linguagem contrasta com a mente consciente. Muitos sonhos não fazem sentido se os comparamos com a experiência vivida enquanto estamos acordados. No entanto, enquanto estamos sonhando, tudo parece normal, já que estamos falando de uma narrativa que é simplesmente diferente da que em geral nós conhecemos. Apesar dessa contradição entre a linguagem diurna e noturna, se queremos ter acesso ao inconsciente, precisamos aprender a decifrar e interpretar a linguagem simbólica que surge enquanto dormimos. Porém, “o homem ‘civilizado’ reage a ideias novas…erguendo barreiras psicológicas que o protegem do choque trazido pela inovação”. (JUNG, 2008:33) Por isso, podemos “observar esse fato na reação do indivíduo ao seu próprio sonho, quando ele é obrigado a admitir algum pensamento inesperado”. (JUNG, 2008:33)

Como a linguagem do sonho é simbólica, em sua narrativa não temos a representação direta de uma situação, que em geral aparece através de metáforas. As imagens são utilizadas para ilustrar ou representar conteúdos emocionais e como seu simbolismo tem tanta energia psíquica, somos obrigados a dar alguma atenção ao que percebemos e sentimos. Especialmente nos dias atuais esta parece ser uma das principais formas das pessoas entrarem em contato com seu lado mais emocional e instintivo, já que

na vida cotidiana precisamos expor nossas ideias da maneira mais exata possível e aprendemos a rejeitar os adornos da fantasia quanto na linguagem quanto nos pensamentos – perdendo, assim, uma qualidade ainda característica da mentalidade primitiva (JUNG, 2008: 48).

Para Jung, comparar o homem moderno e o primitivo é indispensável para quem quer compreender a tendência do homem de construir símbolos (JUNG, 2008: 51). O homem primitivo estava mais integrado com seus instintos, ao contrário do que acontece com o homem moderno. Por isso o inconsciente encontra formas de expressar esse conteúdo que tem função tão valiosa, o que acontece especialmente através dos sonhos, que são “uma ponte entre a maneira pela qual transmitimos conscientemente os nossos pensamentos e uma forma de expressão mais primitiva, colorida e pictórica” (JUNG, 2008: 53). Mas, pela forma diferente de expressão entre consciente e inconsciente, existe um “contraste interessante entre os pensamentos ‘controlados’ que temos quando acordados e a riqueza das imagens produzidas pelos sonhos” (JUNG, 2008:55).

 

Elementos do inconsciente coletivo nos sonhos

Cada inconsciente escolhe símbolos particulares que falem diretamente com o sonhador. Mas em muitos momentos o sonho também apresenta imagens coletivas. Nas palavras de Jung (2008:65): “há muitos símbolos…(e entre eles alguns de grande valor), cuja natureza e origem não é individual mas sim coletiva”.

Essas imagens coletivas são chamadas arquétipos, representantes de conteúdos que ele denominou inconsciente coletivo. São imagens e associações análogas a ideias, mitos e ritos primitivos. O homem “racional” aprendeu a se controlar e a separar cada vez mais da consciência estas camadas instintivas mais profundas, mas não perdeu este lado, que se manifesta através dos sonhos, muitas vezes utilizando-se de imagens coletivas. Esta camada mais profunda é a base da nossa mente, está ligada aos instintos e está mais próxima dos animais. Segundo Jung, podemos compreender esta camada a partir destas imagens e símbolos coletivos, os arquétipos, que estão relacionados aos mitos primitivos, que se manifestam especialmente nos momentos de grande transição ou mudança.

 

A função dos sonhos

            A principal função dos sonhos é compensatória, ou seja, uma forma que encontramos de equilibrar consciente e inconsciente. Em outras palavras, como ficamos muito tempo conscientes, sem olhar para os conteúdos internos, emocionais, psicológicos e inconscientes, os sonhos nos mostram aquilo que está oculto. Para Jung (2008:56) “a função geral dos sonhos é tentar restabelecer a nossa balança psicológica, produzindo um material onírico que reconstitui de maneira sutil o equilíbrio psíquico total”.

Neste sentido, o sonho compensa as deficiências de personalidade, previne dos perigos e transmite à nossa consciência os impulsos instintivos, ajudando a equilibrar a vida. Por isso, ao interpretar um sonho, sempre devemos nos perguntar que atitude consciente está sendo compensada pelo sonho, aceitando o conteúdo do sonho como uma realidade que deve ser acolhida e integrada à vida consciente (JUNG, 2012a:37).

Outra função importante dos sonhos é a (re) conexão com nós mesmos e nossa essência, já que o inconsciente, segundo Jung, é nossa parte sábia, que fala conosco através dos sonhos, nos lembrando de quem somos e o caminho que devemos seguir. “O sonho retrata a situação interna do sonhador, cuja verdade e realidade o consciente reluta em aceitar ou não aceita de todo” (JUNG, 2012a:25). O sonho representa, assim, “a verdade e a realidade interiores, exatamente como elas são” (JUNG, 2012a:26). Por isso o sonho é um recurso muito eficiente na construção da personalidade de uma pessoa.

Sonhos podem nos avisar daquilo que não sabemos ou não conhecemos, já que o inconsciente é nossa parte que sabe mais sobre nós e nossa vida.. Por isso, envia avisos que “podem salvar nossa vida” (VON FRANZ, 2009:74).

O sonho ainda pode ter uma função premonitória, já que nosso inconsciente não trabalha com o tempo de forma linear, sendo capaz de alertar sobre coisas que ainda podem acontecer. Por isso também muitas vezes um sonho é de difícil compreensão no momento em que acontece, já que “no momento do sonho, tal ocorrência ainda pode pertencer ao futuro” (JUNG, 2008:98). Ou seja, “os sonhos podem adquirir um aspecto de antecipação ou de prognóstico” (JUNG, 2008:99). Alias, “muitas vezes, um sonho pode até avisar que uma vida está correndo perigo” (JUNG, 2012a:34).

Assim, seja pelos avisos sobre quem somos, o que pode nos acontecer ou o caminho que devemos seguir, na visão de Marie-Louise Von Franz  (2009:25):

os sonhos não nos protegem das vicissitudes, doenças e eventos dolorosos da existência. Mas eles nos fornecem uma linha mestra de como lidar com esses aspectos, como encontrar um sentido em nossa vida, como cumprir o nosso destino, como seguir nossa própria estrela, por assim dizer, a fim de realizar o potencial de vida que há em nós.

Os sonhos também mostram nosso lado oculto, aquilo que Jung chamou de sombra e que quanto mais escondemos de nós mesmos e dos outros, mais nos prega peças, surgindo como pessoas e situações externas que, na verdade, servem de espelho para nos mostrar aquilo que não percebemos em nós mesmos. Essa sombra ou lado inconsciente costuma se manifestar em nossos sonhos:

Dentro de cada um há uma sombra escondida. Por trás da máscara que usamos para os outros, por baixo do rosto que mostramos a nós mesmos vive um aspecto oculto da nossa personalidade. De noite, enquanto dormimos indefesos, sua imagem nos confronta face a face.

           

Interpretação dos sonhos

            Para interpretar um sonho, é preciso captar sua mensagem. Mas analisar um sonho não é algo que possa ser feito seguindo regras, já que a compreensão de um sonho “é muito mais uma permuta dialética entre duas personalidades” (JUNG, 2008:68) do que uma construção feita a partir de regras pré determinadas. Jung ensinava seus alunos a apreenderem o quanto pudessem sobre o simbolismo e depois, ao analisar um sonho, que esquecessem tudo (JUNG, 2008:65).

Para analisar um sonho, é preciso lembrar que existe uma diferença entre sinal e símbolo: “o sinal é sempre menos do que o conceito que ele representa, enquanto o símbolo significa sempre mais do que o seu significado imediato e óbvio” (JUNG, 2008:64). Isso é fundamental, já que a linguagem do sonho é basicamente simbólica.

Outro ponto importante é que a maneira pela qual o inconsciente conversa com o consciente varia de pessoa para pessoa. Por isso, um sonho jamais pode ser separado de seu sonhador e em um processo terapêutico a interpretação do sonho acontece na relação entre paciente e terapeuta. Até porque cada palavra tem um sentido diferente para cada pessoa, assim como a associação de cada símbolo com o conteúdo consciente é totalmente particular. Talvez por isso Jung afirmava jamais ser possível “entender suficientemente bem o sonho alheio a ponto de interpretá-lo de modo perfeito” (JUNG, 2008:65). De qualquer forma, “uma interpretação de sonho não tem valor enquanto não for encontrada a fórmula que implica o consenso do paciente” (JUNG, 2012a:30). Para compreender um sonho, é preciso saber o que aquele símbolo significa para o sonhador e captar seu conteúdo emocional individual.

Para Jung (2012a:23) “os sonhos são expressão direta da atividade psíquica inconsciente” e por isso “a tentativa de analisar e interpretar os sonhos é…um empreendimento teoricamente justificável do ponto de vista científico”.

Ao analisar a narrativa onírica, Jung alerta para a importância de perguntar “para que” ao invés de “por que”, ou seja, a história contada por nosso inconsciente tem um propósito e não necessariamente é a expressão de algo que vivemos como repressão ou trauma. Muito pelo contrário. Na visão de Jung os sonhos mostram nossa realidade interna e apontam caminhos.

É bom lembrar que sempre existem muitas possibilidades para um mesmo sonho, que deve ser compreendido a partir da relação paciente-terapeuta, sendo que este paciente é chamado, a partir dessa linguagem simbólica, a reagir com toda sua personalidade. Ainda assim, mesmo que que seja possível interpretar um sonho, toda interpretação é mera hipótese.

Mas como somos também nossa parte consciente, “é indispensável levar em conta a exata situação consciente na interpretação dos sonhos” (JUNG, 2012a:39), ou seja, um sonho sempre deve ser analisado a partir de quem somos na vida diurna, com nossas crenças e valores, pois o equilíbrio do ser humano depende justamente desta boa relação entre consciência e inconsciência.

Todo esse processo de análise dos sonhos parte do inconsciente e “termina com a reconstrução definitiva da personalidade total” (JUNG, 2012a:44). Por fim, a interpretação de um sonho vai muito além da prática clínica e da cura do paciente, pois “conduz à meta distante, quem sabe à razão primeira da criação da vida, ou seja, a plena realização do homem inteiro, à individuação” (JUNG, 2012a:44).

Marie-Louise Von Franz (2009:77) diz que  “os sonhos determinam o destino de vidas individuais e de culturas como um todo. Foram fundamentais para o desenvolvimento da civilização ocidental”. Ela ainda frisa que muitos dos que hoje rejeitam os sonhos, acreditando que são algo sem sentido, sem saber seguem valores espirituais, crenças e tradições que surgiram justamente dos sonhos de pessoas que viveram muito tempo atrás, já que os sonhos sempre tiveram um papel fundamental na determinação do destino de toda humanidade.

 

Linguagem simbólica, narrativa onírica e compreensão

Como a linguagem onírica é simbólica, compreender seu significado não é tarefa fácil. Mas “compreender é um processo subjetivo” (JUNG, 2012a:29) e por isso pode ser unilateral. Porém, para Jung (2012a:29), quando a compreensão é unilateral, “se trata de uma não compreensão”. Ele ainda complementa dizendo que “a compreensão deveria ser estabelecida por consenso, que seja fruto da reflexão conjunta”.

No caso da interpretação dos sonhos, Jung (2012a:29) acreditava que quando o paciente é levado a uma verdade, esta estaria sendo “dirigida apenas à sua cabeça”. Na opinião dele, o paciente “tem que evoluir para esta verdade”, pois só assim “atingiremos seu coração”, tocaremos fundo e isso age muito mais intensamente.

É possível pensar, a partir daí, sobre a necessidade do diálogo no processo de compreensão, fundamental no caso da interpretação dos sonhos e em qualquer processo compreensivo. Para analisar um sonho, é preciso compor um contexto. Jung (2012a:32) compara a interpretação do sonho à leitura de um texto incompreensível, algo que não conseguimos ler. Neste sentido, não adianta tentar interpretar antes de aprender a ler. Por isso, o primeiro passo é o conhecimento da linguagem simbólica, para que então seja possível compreender a narrativa dos sonhos.

Também é preciso interpretar a partir da lógica inconsciente, ou seja, percebendo que há uma narrativa na linguagem onírica e, portanto, “para compreender o sentido de um sonho” é preciso se “ater tão fielmente quanto possível à imagem onírica” (JUNG, 2012a:33).

Ainda assim, “toda interpretação é uma mera hipótese, apenas uma tentativa de ler um texto desconhecido” (JUNG, 2012a:33). Além disso, a interpretação válida de um sonho é mais segura quando se analisa uma série de sonhos, pois através de sua lógica e linguagem próprias, o inconsciente apresenta sua narrativa dentro de um contexto maior, ao longo da vida de uma pessoa.

 

Sincronicidades

Além dos sonhos, as sincronicidades também são formas do nosso inconsciente se manifestar. Mas, ao contrário dos sonhos, neste caso, o inconsciente se manifesta também através de acontecimentos externos ao indivíduo. Sincronicidades são “coincidências significativas”, que tenham conexão acausal e que acontecem de forma natural. Para que exista uma sincronicidade, é preciso que seja mais do que uma simples coincidência. É necessário que os dois ou mais acontecimentos envolvidos nesta coincidência tenham um significado psíquico. São “‘coincidências’ de tal modo ligadas significativamente entre si, que seu concomitante ‘causal’ representa um grau de improbabilidade que seria preciso exprimir mediante um número astronômico” (JUNG, 2012c:31).

Em seu livro Sincronicidade, Jung conta uma situação envolvendo uma paciente que ilustra bem o que é este fenômeno. Ele conta que em um momento crítico no tratamento de uma de suas pacientes, ela teve um sonho no qual recebia um escaravelho de ouro de presente. Enquanto sua paciente lhe contava o sonho, Jung estava sentado de costas para a janela fechada, quando ouviu algo batendo na janela. Quando viu, havia ali um inseto alado se debatendo do lado de fora contra a janela. Jung, então, abriu a janela e pegou o inseto. Para ele, um besouro era a analogia mais próxima de um escaravelho de ouro, impossível de ser encontrado onde estavam. Este é um dos principais exemplos de Jung para o fenômeno que chamou de sincronicidade.

Assim como os sonhos, que também podem estar envolvidos em uma sincronicidade, este fenômeno nos coloca em contato com nossos conteúdos interiores e aponta caminhos.

É importante compreender a sincronicidade considerando os diversos acontecimentos envolvidos, pois “a narrativa de fatos notáveis isolados…não tem utilidade nenhuma” (JUNG, 2012c:44).

Mas por ser algo complexo e difícil de ser explicado, Jung foi atrás de outras áreas do conhecimento que pudessem explicar estes fenômenos. Fez isso especialmente através das técnicas divinatórias ou intuitivas, especialmente o I Ching, por considerar que elas atuam pelo princípio da conexão sincronística ou acausal. Além disso, Jung fez um experimento astrológico, na tentativa de comprovar a sincronicidade. Para ele, existe uma coincidência em princípio sem explicação causal entre os ciclos celestes e os acontecimentos terrestres. Sobre a relação existente entre Astrologia e este fenômeno, Jung considera ser sincronicidade  que aquilo que “nasce ou é criado num dado momento adquire as qualidades deste momento” (JUNG, 2012d:15) e também que “é possível imaginar uma conexão causal entre os aspectos planetários e as disposições psicofisiológicas” (JUNG, 2012c:53). Para seu experimento astrológico, Jung trabalhou com mapas de casais, buscando a confirmação da correspondência astrológica tradicional de casamento.

 

As narrativas oníricas e a linguagem dos sonhos estão em todo lugar, inclusive na mídia

Podemos pensar que sonhos são narrativas individuais que acontecem durante a noite e contam apenas histórias pessoais. No entanto, a linguagem dos sonhos está presente o tempo todo em filmes, novelas, livros, revistas, jornais e todo tipo de mídia.

Um bom exemplo é o filme Sonhos do Akira Kurosawa, baseado em sonhos verdadeiros do cineasta. Toda narrativa se desenvolve através de imagens oníricas. Também o filme A origem tem o inconsciente e o mundo dos sonhos como tema principal de sua narrativa, apresentando imagens e símbolos próprios dos sonhos e algumas teorias sobre a relação existente entre consciente e inconsciente e o sonho como ponte entre os dois.

A mídia apropria-se constantemente dessas narrativas oníricas, especialmente quando utiliza a linguagem simbólica, pois como afirmava Jung (2008:25,34,43) a maioria dos símbolos e imagens simbólicas originam-se em nosso inconsciente, especialmente nos sonhos. Por isso, se queremos compreender melhor esta linguagem, devemos estudar os sonhos.

Até hoje em algumas culturas os sonhos são tidos como avisos ou a principal fonte para as decisões importantes, como guias. “Os sonhos determinaram o destino de vidas individuais e de culturas como um todo. Foram fundamentais para o desenvolvimento da civilização ocidental” (VON FRANZ, 2009:77). Marie-Loiuse Von Franz (2009:68) conta que

Muitas civilizações antigas levavam extremamente a sério seus sonhos. Por ironia, muita gente que hoje rejeita os sonhos como algo sem sentido, sem saber aceita e segue valores espirituais, crenças e tradições que se originam diretamente dos sonhos de indivíduos que viveram há milhares de anos. Durante toda a história religiosa da nossa cultura judeu-cristã os sonhos tiveram um papel central na determinação do destino da humanidade. Eles eram tidos como a voz de Deus.

            O fato é que sonhos são canais de comunicação, uma forma do inconsciente falar conosco. Para tanto, utiliza-se de uma linguagem própria, que devemos conhecer se desejamos não apenas interpretar os nossos sonhos, mas também se queremos compreender muito do que está na mídia, que se utiliza desta linguagem também pela possibilidade de se comunicar através de imagens e símbolos presentes no inconsciente coletivo.

Se hoje “não existe mundo sem mídia e sem mídia o mundo não existe[1]”, e se a mídia é importante narradora do mundo atual, também não existe mundo sem sonhos, já que estes são os grandes responsáveis por restabelecer o equilíbrio que deve existir entre consciente e inconsciente e já que eles contam a história individual e coletiva a partir de narrativas próprias tão significativas e importantes na construção de nossa cultura e civilização. Assim, conhecer o mundo inconsciente e compreender a linguagem simbólica presente especialmente nos sonhos é um bom caminho para compreender melhor o ser humano e a construção da nossa cultura.

 

Referência

 

HOPCKE, Robert H. Sincronicidade ou nada é por acaso. Rio de Janeiro: Nova Era, 2001.

JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

______. Ab-reação, análise dos sonhos e transferência. Petrópolis: Vozes, 2012. (a)

______. Memória, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira (Saraiva de bolso): 2012. (b)

______. Sincronicidade. Petrópolis: Vozes, 2012. (c)

JUNG, Carl Gustav. WILHELM, Richard. O segredo da for de ouro: um livro de vida chinês. Petrópolis: Vozes, 2012. (d)

VON FRANZ, Marie-Louise. O caminho dos sonhos. São Paulo: Cultrix, 2009.

WILHELM, Richard. I Ching: o livro das mutações. São Paulo: Pensamento, 2006.

Filmes

KUROSAWA, Akira. Sonhos (Dreams). Japão, Estados Unidos: 1990.

NOLAN, Christopher. A origem (Inception). Estados Unidos: 2010.

 


[1] Künsch, Dimas. Frase proferida na disciplina Comportamento, subjetividade e cultura da mídia, no primeiro semestre de 2013 (Mestrado em Comunicação, Faculdade Cásper Líbero)

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