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“Meu filho não sai do quarto e da Internet”

 Algumas reflexões sobre os adolescentes e a passividade  contemporânea

 

               Em psicologia e psicanálise, a adolescência é marcada por conflitos. Mudanças físicas, biológicas e psíquicas trazem o que Aberastury define como período de transição e de luto: o luto pelo corpo infantil e pelos pais da infância geram ambiguidade. Por um lado, a necessidade de se colocar no grupo social, na busca da identidade e auto afirmação, e por outro, uma certa dependência infantil e insegurança ainda instaladas, favorecerem um relacionamento familiar e emocional instável. O sono e o recolhimento são, muitas vezes intensos e necessários, na dinâmica de elaboração  de intensas transformações, mas não raro,  perdem-se nos horários e varam a madrugada acordados.

Bernardo Bertolucci fez o filme “Os Sonhadores”, um filme polêmico, onde jovens se encontram em plena efervescência política na Paris dos anos 60 e vivem experiências de drogas, rebeldia e  sexo sem limites. O rompimento com as normas sociais encontra-se com a atitude política combativa, talvez romântica, de ideais revolucionários na incansável busca de se construir um mundo novo. Conforme o filme apresenta, ainda hoje é possível encontrar na bibliografia tradicional a definição de adolescência associada à  rebeldia e afirmação da identidade  muitas vezes através da contraposição aos valores e referenciais familiares e, consequentemente os sociais.

Pois bem, há cerca de uma década  posso observar os  jovens com características peculiares que fogem um pouco a este padrão: posso vê-los  passivos, acomodados, com dificuldades para pensar e construir uma ideia ( um sonho ou ideal) de futuro. Apesar de intensamente conectados e muito bem informados, demonstram pouca motivação para sair do conforto de seus lares, mais especificamente, de seu quarto. Muitas vezes, fazem seus deveres de casa, comem, escutam música, jogam vídeo games ou veem séries intermináveis, conversam pelo watts, tudo isso ao mesmo tempo…  a satisfação imediata que vem da internet e da pizza delivery também contribuem para  uma certa imobilidade e  um certo entorpecimento. Claro que há exceções, mas a queixa de pais e professores é muito recorrente.

Não  raro, ouço muitos jovens reclamarem de viagens familiares a lugares onde a natureza não permite o acesso a internet.

Onde estão os sonhos hoje? Por mais românticos que tenham sido os anos 60 e 70, movimentos importantes, nos campos político, social e artístico foram comandados por grupos de jovens que influenciaram o mundo e a história.

Um pouco distantes, ouso concluir que  moços e moças parecem trazer um certo desencanto e pouco interesse por questões que envolvam o coletivo. Sinto falta de um olhar ao mesmo tempo menos contemplativo. Até é possível constatar consciência crítica pelos direitos humanos, pela liberdade das escolhas e orientação sexual, contra discriminação étnica e a favor da preservação do meio ambiente. Mas não observo interesse na participação efetiva, alguma contribuição ativa, junto a grupos ou organizações voltadas às causas, com raras exceções.

A psicanalista argentina Arminda Aberastury diz que não há juventude em crise, mas uma crise de jovens que vive uma sociedade que está em crise….

Não seriam,então, estas manifestações a tradução mais explícita dos valores da sociedade contemporânea? Para a psicanalista e historiadora Elisabeth Roudinesco, vivemos uma sociedade marcada pelo individualismo, pela imagem e o mundo virtual torna o contato com a realidade algo frustrante.

Dos sonhos a beirar a utopia dos anos 60/70 enfrentamos hoje uma resistência a projetos futuros, a dificuldade para aceitar os limites e possibilidades do tempo e do espaço. Otavio Ianni refere a um certo distanciamento entre tempo e espaço nos dias de hoje. Esta dinâmica pode gerar também uma certa dificuldade psíquica diante da espera, com o tempo, com os processos…sem contar que a mídia estimula a busca do  prazer imediato e a perfeição – Imagens são o ponto forte  das mídias sociais.

O que exige paciência ou for mais difícil de ser alcançado pode despertar muita ansiedade ou  uma espécie de desilusão, fruto do que os pesquisadores revelam como sintoma de uma sociedade depressiva.

Pois bem, se mantivermos a concepção tradicional de adolescência associada à contraposição para afirmação da identidade, Calligaris levanta uma hipótese interessante: se todos nós, adultos, precisamos ser perfeitos, competentes produtivos e eternamente jovens, é possível que fique no jovem a manifestação explícita daquilo que não podemos ser. Cumpre lembrar que se em outros momentos da história os jovens desejavam parecer adultos, hoje em dia a sociedade como um todo glorifica a juventude e tenta se espelhar num estilo de vida próximo ao deles. A contraposição e a rebeldia, talvez esteja, então, na resistência a se deixar ser tragado pelo sistema, nesta atitude acomodada e passiva. Para os que temem não dar conta diante de tantas cobranças – vide vestibulares, ingresso no mercado de trabalho, apelos estéticos,etc….observamos manifestações intensas de ansiedade que podem levar a sintomas associados à síndrome do pânico, ou excessos com drogas ou mesmo depressão, fruto deste sentimento de impotência, para os que já não creem tanto em suas próprias possibilidades,

Autores como Peter Blos e Joel Birman levantam,então, a hipótese de que num mundo onde não pode haver fracassados, onde a produção e a necessidade por resultados gera  individualismo e um ideal de perfeição por  vezes massacrante, ficam os jovens de classe  média  a manifestar os traços inconfessáveis da sociedade contemporânea. O diálogo entre pais e filhos parecem muito mais abertos, o clima de liberdade presente na sociedade atual também poderia favorecer escolhas e a defesa de uma posição mais singular, mas, como já disse, os apelos pela imagem e perfeição e consumo são tão intensos que parece aumentar também a competitividade entre os jovens. Será que o processo para se constituir como Ser no mundo  está mais difícil de se conquistar?

Na Sociedade que Debord define como Sociedade do Espetáculo talvez não haja tanto espaço assim para o jovem descobrir em sua subjetividade para onde caminham seus mais genuínos desejos.

O retrato explícito do quanto nós, adultos estamos impedidos de reagir diante das imposições do mercado, do quanto  precisamos produzir, para consumir a cada momento algum novo produto a nos enfeitiçar, talvez seja denunciada pelos jovens. Temos hoje em dia cada vez menos  espaço para nossos sonhos mais profundos, para nossas fragilidades e medos, pois o mundo do espetáculo nos espera impaciente para uma  incondicional participação… Como diria Moacyr Sclyar: “ Seja diferente, seja igual” . Após algumas considerações um tanto realistas, alguns podem perguntar, mas qual será a saída? Acredito que precisamos ter consciência das implicações dos valores e referenciais da sociedade que vivemos. Somos corpo, mente e subjetividade e o que nos torna sujeito é a atenção e o cuidado para não nos perdermos como seres humanos, em densidade e a profundidade.

Parafraseando o educador Paulo Freire:

Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente ser, conhecer e eu humildemente acrescentaria transformar…..

 

                                       Erane Paladino

 

 

 

 

 

 

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