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I-Ching e a dualidade como expressão humana da existência


“Em cada existência
Um mistério

 

Em cada existência
Seu mistério


Suavemente dizer sim

Suavemente dizer não


Na dualidade se expressa o Mistério.” (2014)

 

Imagem clássica do Yin (cor preta) -Yang (branco)

 

Comecei a estudar I-Ching em 2014 na Sociedade Taoísta de São Paulo (http://sociedadetaoista.com.br/sp/), no caminho do método clássico. Este método de interpretação (e outros detalhes mais complexos) são diferentes daqueles do livro mais popular no Brasil sobre o tema, o do alemão Richard Wilhelm, “I-Ching, o livro das mutações”, com prefácio de Jung. Por isso, nossa abordagem aqui se dá na linha do taoísmo, para a qual o determinante é o conceito de “naturalidade”, ou seja, justamente, o que está no curso natural do Universo. O oráculo é a tecnologia para acessar e ler este fluxo.

 

Escrevi o poema que abre este texto em 2014 e nele aparecem os dois princípios básicos deste oráculo: não e sim, yin e yang, noite e dia, escuro-claro, binariedade. É curioso  notar que são os possíveis cálculos a partir de um sistema binário (0 e 1), que determinam nosso fluxo de comunicação na contemporaneidade (os famosos algoritmos): qual é então a diferença fundamental entre oráculo e computação? A aleatoriedade. Os fluxos de dados que vão se transformar em informação no nosso mundo atual, a depender do contexto, não vem a nós ao acaso. São controlados pelas empresas que nasceram com o mundo digital. Mas esta é outra história…vamos ao I-Ching:

 

A natureza matemática do I-Ching: É a partir da binariedade das linhas abertas (yin) e fechadas (yang), e da possibilidade das linhas móveis, ou seja, dependendo do acaso, se  uma determinada linha yin pode se transformar em yang e com isso gerar um outro resultado, que as seis linhas do hexagrama são calculadas. O hexagrama (conjunto de seis linhas) é o resultado a ser lido, que, por sua vez, é composto por dois trigramas (conjunto de três linhas). Abaixo, por exemplo, o hexagrama PAZ, formado pelos trigramas Céu – abaixo, três linhas fechadas, yang – e Terra – acima, três linhas abertas, yin:

Para chegarmos a este resultado, o cálculo se dá a partir de uma consulta ao oráculo por meio de moedas, o meio mais rápido, e varetas e pedras, mais demorados. No método da consulta pelas moedas, a linha yang vale 3 e a yin 2. Usa-se 3 moedas, que precisam ser embaralhadas e jogadas na mesa seis vezes (uma para cada linha), a começar pela 1ª linhas, a primeira a partir de baixo. Assim, há quatro opções de resultado de linhas, conforme a imagem abaixo:

Nessa imagem, o círculo na linha yang significa que a linha é móvel e modificará o resultado do hexagrama, podendo gerar um outro, para ser analisado lado a lado com o primeiro resultado ou, especificamente, o resultado para a pergunta será aquela linha móvel (ou mais de uma); da mesma forma, o X na linha yin quer dizer que é uma linha móvel e se transformará em yang. Indica o movimento particular do fluxo (linha) dentro do contexto geral (hexagrama). Ou seja, são as dualidades das linhas que indicarão a movimentação da questão no tempo.

 

O que o I-Ching nos coloca, na interpretação taoísta, é que a dualidade, uma das bases deste oráculo, não é boa nem má, mas a indicação de qualidades da existência. Como lidar  com as qualidades é tarefa humana. Se há conflito, a dualidade se apresenta como extremos de uma questão; se há integração ou, na linguagem do I-Ching, “harmonia”, é possível lidar com a dualidade de forma a integrá-la no fluxo. É importante notar que “harmonia” não quer dizer que tudo está “bem”, mas sim que é possível integrar a dualidade.

 

No hexagrama “Paz”, que usamos aqui como exemplo, a harmonia vem justamente de uma inversão: a Terra está acima do Céu e não o contrário. Entre outras interpretações, isso significa que a ordem foi invertida e daí advém uma época de paz. O trigrama Terra, yin, símbolo do povo, prevalece sobre o Céu, yang, símbolo do poder. Quando as necessidades do povo estiverem acima dos interesses dos poderosos, poderemos viver uma época harmônica, mesmo sob a dualidade  humana; povo e poderosos (governo) não deixam de existir, mas se relacionam de maneira mais integrada e não em oposição extremada.

 

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