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Heitor de Troia

Seguimos nossa jornada pelas personalidades do baralho comum pela vertente francesa. Como estamos em junho, duas coisas me chamam a atenção: primeiro, o dia dos namorados e o dia que se segue, dedicado a Santo Antônio, o padroeiro dos casamentos cá em Brasil. Em segundo lugar, acabamos de passar pelo Solstício de Inverno, o momento em que, conforme a tradição, aproximamo-nos mais daqueles que amamos – seja rememorando Aqueles Que Vieram Antes, seja trazendo mais para perto aqueles que estão conosco no momento.

Por mais que esperemos (e não sem razão!) que os sentimentos estejam em Copas, não podemos negar a natureza dos naipes vermelhos, e Ouros dá as mãos a Copas nesse momento. Dentre as narrativas biográficas das cartas da corte, a que mais me toca como exemplo, sendo eu um homem do século XXI, é a narrativa de Heitor de Troia (grafado Hector no baralho), o Valete de Ouros.

A Guerra de Troia tem como principal catalisador o irmão de Heitor, Páris. Consta que Éris, a Senhora da Discórdia, lançou uma maçã dourada na qual se via escrito “para a mais bela”. Três Deusas desejaram o epíteto: Pallas Athena, a Senhora que conheceremos na Dama de Espadas; Hera, a Rainha dos Deuses; e Afrodite, a Deusa que rege os encantos, a sedução, e todas as formas do que chamamos amor.

Para tal julgamento, Zeus escolheu Páris, príncipe de Troia. Humildemente, o rapaz quis recusar tal tarefa – mas não se mostra pertinente, quiçá possível, negar os desejos de um Deus, que dirá Zeus! E as três Senhoras se puseram diante dele. Athena lhe prometeu a perspicácia de um grande estrategista, se lhe escolhesse; mas ele não a escolheu. Hera lhe prometeu um reino próspero, pois todos os reinos lhe pertencem; mas Páris não lhe escolheu.

Então veio Afrodite. Plena em seu poder e beleza, refulgente como o orvalho da manhã, indecente como os lábios mordidos para conter um gemido. Com toda a elegância que só uma mulher que conhece seu próprio corpo pode ter, ela despe suas parcas vestes e promete o amor da mulher mais linda do mundo. A essa promessa, Páris não resiste.

E arranja problemas com duas Deusas por isso.

Helena, a mulher mais linda do mundo, já era casada, e é raptada por Páris, louco de amor, que traz não apenas a mulher mais linda do mundo consigo, mas a guerra que o marido traído traz ao vir em seu encalço.

E o que isso tudo tem a ver com Heitor? A priori, nada. Heitor era um Príncipe oposto ao irmão: homem de família, excelente guerreiro, preparado para governar, inclusive sendo o Rei em ação na guerra de Troia – seu pai, Príamo, lhe concedeu a chefia das tropas. É o segundo maior herói da guerra, sendo suplantado unicamente pelo semideus Aquiles.

E é na lâmina de Aquiles que Heitor encontra seu fim.

Pátroclo, amigo íntimo de Aquiles, e possivelmente seu amante, cinge a si mesmo com a armadura do herói e é morto por Heitor, que pensava tratar-se de Aquiles em pessoa. Cego pela dor, Aquiles mata Heitor e desrespeita todos os ritos fúnebres, prendendo o cadáver de Heitor à sua carruagem e dando voltas às muralhas de Troia, cedendo apenas porque o Rei Príamo vem ao seu encontro durante a noite implorar o corpo de seu filho.

Heitor estava em paz com os seus até que a guerra chegou à sua porta. Corajosamente, enfrentou seu destino e, por uma grande fatalidade, encontrou a morte não por hybris, mas por ter sido enganado por Pátroclo.

Por isso, quando pensar no amor para sua vida, quando acender suas velas aos Deuses pedindo por companhia, lembre-se de Páris com todo o fulgor da paixão… e de Heitor, que cuidou de sua família e respeitou seus inimigos. Um traz o desejo, o outro traz a segurança.

Escolha bem.

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