“Por isso
cuidado, meu bem, há perigo na esquina.
Eles venceram e o sinal está fechado prá nós”
(Como nossos pais, Belchior)
No dia 8 de março é celebrado anualmente o Dia Internacional da Mulher. Celebração que surgiu em 1909, em Nova York, quando o Partido Socialista da América organizou o “Dia da Mulher” com uma jornada de manifestação pela igualdade de direitos civis e em favor do voto feminino.
No ano seguinte, na Conferência de Mulheres da Internacional Socialista, em Copenhague, Clara Zetkin sugeriu que esse evento passasse a ser celebrado todos os anos. Em 8 de março de 1917, na Rússia Imperial, aconteceu uma grande passeata de mulheres em protesto contra a carestia, o desemprego e a deterioração geral das condições de vida no país. Operários metalúrgicos se juntaram à essa manifestação, que se estendeu por vários dias e precipitou a Revolução de 1917.
Em 1975, o dia 8 de março foi instituído como Dia Internacional da Mulher pelas Nações Unidas, sendo atualmente comemorada em mais de 100 países. A comemoração não é em tom festivo, mas sempre é um ato de alerta e denúncia contra o desrespeito aos direitos das mulheres, às violências cometidas contra elas.
Este texto traz algumas mulheres guerreiras que através de suas atuações na música defenderam e defendem seus espaços de atuação. A primeira delas é a pianista, maestrina e compositora carioca Chiquinha Gonzaga (1847-1935), uma das maiores influências da música popular brasileira. Foi neta de uma escrava liberta e a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Envolveu-se com a política, militou em prol da abolição da escravatura e pelo fim da monarquia. Chamava a atenção nas rodas boêmias do Rio por ser independente (casou-se e separou-se duas vezes) e por fumar em público, algo que não era considerado de bom tom para mulheres. Aos 52 anos, conheceu e apaixonou-se por um estudante de música de 16 anos. Temendo o preconceito, Chiquinha escondeu o relacionamento adotando o jovem como “filho”. Assim, pode viver seu grande amor até o final de sua vida. Um dos grandes sucessos de Chiquinha Gonzaga é a música “Corta Jaca” que pode ser apreciada na intepretação de Lysia Condé neste link: https://www.youtube.com/watch?v=4wfrA54BMZg.
Em 2020, há duas importantes efemérides de grandes intérpretes brasileiras. A primeira é o Centenário de nascimento da “Divina” Elizeth Cardoso. Grande intérprete do choro e do samba canção, foi presença marcante em momentos importantes de nossa música, destacando sua participação no disco “Canção do Amor Demais”, com Tom Jobim e João Gilberto, e que é considerado o embrião da Bossa Nova. Ouça Elizeth cantar “E quem me vê no palco tão serena, tão segura e poderosa, radiante de emoções. Não pode adivinhar o meu trabalho: Faxineira das Canções”, a bela canção que Joyce fez para ela – https://www.youtube.com/watch?v=xMIQkMA4L5I.
A segunda efeméride é os 75 anos de nascimento de Elis Regina. Considerada por muitos críticos “a maior cantora popular do Brasil de todos os tempos”, ela tinha um domínio técnico de sua voz que usava como um instrumento e dona de um suingue surpreendente. Ao mesmo tempo, foi uma figura polêmica e guerreira, tanto que disse “Entre a parede e a espada, me atiro contra a espada”. Um momento importante de sua carreira foi o show “Falso Brilhante”, que ficou quase dois anos em cartaz, visto por cerca de 280 mil pessoas e que foi registrado em disco. Aprecie a interpretação de Elis Regina em “Como nossos pais”, de Belchior, uma das canções do show e do disco – https://www.youtube.com/watch?v=2qqN4cEpPCw. No próximo dia 17 de março, a Rádio Cultura Brasil dedicará 24 horas de sua programação aos 75 anos de Elis com músicas, entrevistas e especiais. Não perca!
Outra grande cantora brasileira é Elza Soares. Foi tema do enredo “Elza deusa Soares” da Mocidade Independente de Padre Miguel no Carnaval de 2020. Foi uma emocionante homenagem a essa grande mulher, hoje com quase 90 anos, que passou por altos e baixos em sua vida, mas sempre sacudindo a poeira e dando a volta por cima. Não se acomoda, está sempre antenada com as novas tendências musicais e adorada pelos jovens compositores. Com sua voz poderosa, ela mesmo diz: “Eu quero ter o direito de estar buscando isso ou aquilo. Quero andar, comer, dormir, amar, cantar. Ter isso, pra mim, é que é o verdadeiro poder”. Escute Elza Soares cantar “Mulher do fim do mundo eu sou e vou até o fim cantar” – https://www.youtube.com/watch?v=6SWIwW9mg8s.
Outra deusa negra vem do Recôncavo Baiano. É a compositora e cantora Xênia França. Sua música é forte, sua voz é bela e sua presença cênica é impactante. Astrologia, astronomia, candomblé, filosofia, meditação, MPB e divas moldaram a sua alma musical. Aprecie Xênia França na canção “Pra que me chamas”, que fez em parceria com Lucas Cirillo – https://www.youtube.com/watch?v=ZEpV3C1JO60.
E para encerrar, quero indicar a cantora belga de 24 anos Angèle. Bonita, charmosa e feminista, ela ganhou duas vezes “Disco de Platina” e alcançou o topo das paradas na França. Na letra da música “Balance Ton Quoi” que ela compôs e canta, há um trecho que denuncia: “As pessoas dizem para mim. Para uma garota bonita, você não é tão estúpida. Para uma garota engraçada, você não é tão feia. Seus pais e seu irmão a ajudam”. Ouça – https://www.youtube.com/watch?v=Hi7Rx3En7-k.
“Se olharmos à nossa volta, veremos muitos sinais evidentes do surgimento de uma nova consciência e de uma nova lucidez feminina. Seja o feminismo, ou o movimento ‘Deep Ecology’ nos Estados Unidos e na Europa, ou ‘Las Madres de la Plaza de Mayo’ protestando contra a ditadura na Argentina, ou o desabrochar político das mulheres do oeste da África, ou as artistas visionárias na China e na Rússia, são muitas as mulheres que estão manifestando forças profundas e urgentes que existem em seu interior”. (A Deusa Interior, de Jennifer Barker Woolger / Roger J. Woolger)