Eu considero-me abençoado por ter tido contato com a música muito cedo em minha vida. Lembro-me de acordar com o rádio de meu pai tocando canções de raízes caipira nas vozes de Tonico & Tinoco, Cascatinha & Inhana. Nesse mesmo aparelho, que era vitrola, ouvia discos de Dalva de Oliveira, Ângela Maria e Inezita Barroso.
Adolescente, já estudando música e aprendendo a tocar acordeão (sanfona, para quem não conhece por esse nome), comecei a me interessar pela música brasileira que surgia nos programas de televisão (Festivais, Jovem Guarda, Fino da Bossa). Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento tomaram minha atenção para o que ouvir. Eles refinaram minha escuta.
Ainda na adolescência e início da juventude, época do ginásio e colegial (hoje, parte do ensino fundamental e médio), pude ter um contraponto do que aprendia no conservatório (música clássica e seus mestres – Bach, Mozart, Beethoven, entre outros) com aulas de música no colégio de rede pública estadual (não se espante, pois música fazia parte da grade de ensino, junto com artes plásticas e teatro). Foi nessa época que comecei a compor com amigos e participar dos festivais de música desse colégio.
Comprei muitos LPs (o vinil que está voltando) e CDs dos artistas e grupos que eu admirava, incluindo agora o rock, jazz, reggae, produzidos por grandes gravadoras na época (Philips-Phonogram, EMI-Odeon, Warner), mas me abri para conhecer os novos trabalhos musicais que começaram a surgir, na segunda metade da década de 70, que foram chamados de “independentes”.
Cansados de ouvir “nãos” dos diretores artísticos destas gravadoras, os músicos arregaçaram as mangas e produziram seus próprios discos. Isto quer dizer que bancaram os custos de locação de estúdios de gravação, prensagem, criação e confecção de capas, divulgação e distribuição dos discos.
Esse movimento propiciou a criação também de espaços alternativos para mostrar essa “nova” música independente. Em São Paulo, foi marcante a importância do Teatro Lira Paulistana, em um porão na Rua Teodoro Sampaio, inaugurado em 1979 e que em pouco tempo virou o ponto de encontro da “Vanguarda Paulista” (Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Grupo Rumo).
Na primeira metade da década de 80, eu fazia a programação dos auditórios do MASP. Espaço muito respeitado de concertos de música de câmara e sinfônica na época, mas que tive oportunidade (com aval do famoso Professor Bardi) de abri-lo para as apresentações da boa música brasileira, principalmente de música instrumental como grupos Um, Pau Brasil, Divina Increnca, Medusa, D’Alma, Banda Metalurgia, Wagner Tiso, Hermeto Pascoal & Orquestra Jovem Municipal e o primeiro recital solo de Cesar Camargo Mariano.
O maior problema que a boa música brasileira encontrava desde os idos de 80 foi sua divulgação nas rádios, TVs, jornais e revistas. Havia o suborno (chamado de “Jabaculê” ou simplesmente “Jabá”) que as gravadoras pagavam aos meios de comunicação pela execução de determinadas músicas de determinados artistas. Essa prática só foi criminalizada em 2006.
Hoje, as gravadoras praticamente não existem com a brusca queda na venda de discos. Os músicos não necessitam mais das gravadoras para mostrarem os seus trabalhos, pois conseguem gravar em seus próprios estúdios caseiros e com boa qualidade técnica. As redes sociais (Facebook, Instagram, YouTube, etc.) e os aplicativos digitais (Deezer, Spotify) são ferramentas bastante eficientes de divulgação de seus trabalhos. Obtenção de recursos financeiros via financiamento coletivo (crowdfunding) tem sido uma maneira muito positiva de concretizar projetos musicais (shows e discos).
Tudo isso foi contado, para explicar o motivo que me fez aceitar o convite de Titi Vidal para integrar a Rede Bellatrix. Como o som é poderoso e pode movimentar multidões, acho importante trazer consciência ao que ouvimos, pois, a música nos toca de inúmeras formas, ressoando em diversas camadas do nosso ser.
Nas próximas postagens, pretendo sugerir referências de “escuta” chamando atenção para propostas musicais que me surpreendem, que tenham consistência e inovação, tanto na música brasileira como na internacional, não me limitando se é do gênero clássico ou popular. Vou indicar passeios gostosos pelo “Mundo dos Sons”.