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Erros e acertos

Sabe o processo de ir aceitando que nem tudo precisa ser útil? Ele é longo.

Longo como todo processo de transformação de algo que sempre fez parte da vida e que, de repente, parece deixar de fazer sentido. E penso que parte da dificuldade vem de uma mudança gerar a dúvida em relação ao que sempre se fez: estava tudo errado?  

A gente faz o melhor que pode em cada momento, aprende com os erros e tudo mais, mas o que tem sido mais importante, pra mim, é deixar de classificar as coisas como erros (construtivos ou não) e me questionar sobre o que é um erro.

Parece que meu meio do céu em virgem tem a ver  tanto com a  necessidade de produzir algo útil como a visão de  que o que  é certo, é certo e que o que é errado, é errado — e quando se trata de valores éticos, sempre vou pensar assim. Mas o fato é que o desenho tem me ensinado a ver o processo como resultado. E se o processo é o resultado, não existe erro. 

Dedicar o tempo a uma atividade de lazer que ao mesmo tempo gera um “produto” e esse produto não ter utilidade é um desafio pra mim. Sempre vem uma vozinha dizendo: “você vai ter um papel com um desenho feio e que não vai servir pra nada. Melhor não gastar seu tempo!”. E ela grita ainda mais alto quando vou fazer exercícios de rabiscos, que nem desenhos são para serem serem ruins ou bons. 

Quando ouvi a ilustradora Yuko Shimizu dizendo que se você olhar pro papel vai tentar fazer o desenho ficar bonito e, se não olhar, vai desenhar o que vê, e não o que acha que vê, descobri o exercício que mais gosto atualmente. E quando você desenha sem olhar pro sem olhar pro papel, começa saindo tudo torto e desconjuntado mas, aos poucos, os dedos estão proporcionais, os dois lados da garrafa têm a mesma altura, o rosto tem uma composição coerente… porque, sim, os resultados melhoram drástica e rapidamente. Mas não vejo nenhuma mão com os dedos sobrepostos, rosto todo torto ou lapiseira deformada como um erro. Gosto deles todos. Não só como ferramentas para melhorar, mas dentro de sua própria estética.

Já nos exercícios em que papel e olhos se comunicam, muitas vezes eu penso em fazer uma coisa e sai outra. De outro jeito. E cada um desses jeitos impensados, acabam me dando novas ideias e uma perspectiva que ainda não tinha em relação à ideia inicial.

E o fato de estar gostando do caminho tem me mostrado que enquanto estou vivendo um processo, não tem isso de certo e errado. É quando um processo se esgota que começa a surir a sensação de que algo está errado, um incômodo, um indicativo da incoerência entre o que estou fazendo e que quero fazer, o que faz sentido. Comigo, foi assim quando viver em SP começou a parecer insuportável, foi assim qdo relações precisaram ser encerradas e eu não sabia como, e foi assim qdo precisei entender que não adiantava ser tão produtiva e ignorar o que gosto de fazer.

Cada um desses erros durou anos. Longos anos. Porque entre identificar o que está causando ruído e poder mudar a situação podem existir muitas barreiras, o que faz sentido financeiramente não faz sentido emocionalmente (ou vice versa) etc. Mas se enquanto isso não está claro a vida vai ficando pesada e tudo parece estar errado, entender o que está incomodando muda a perspectiva de certo e errado, bom e ruim, e as experiências se mesclam aí no meio entre coisas melhores e piores de um processo em andamento — um processo que faz sentido, no qual não existe erro, mas escolhas e possibilidades.

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