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Entre o caramujo e o homem

Num momento em que somos catequizados como seres insuflados de divino, mas ao mesmo tempo praticamos as maiores torpezas com os nossos semelhantes, é um esplendor ver luzir de forma tão convincente e harmoniosa a certeza de que entre o caramujo e o homem há um nexo necessário que nos deveria fazer mais solidários com a vida.
(trecho de carta de Antônio Houaiss a Manoel de Barros)


A caminho de completar um ano de vivência angustiante com a pandemia da Covid-19 no mundo e no Brasil, vendo nosso país totalmente desgovernado, tendo um presidente e seus ministros incompetentes e irresponsáveis, fico cada vez mais chocado com a vergonhosa falta de empatia desse ser que infelizmente nos governa e de como esse exemplo se reflete na população. A situação a qual chegamos reflete que estamos insensíveis com a dor do outro e não conseguimos nos colocar e sensibilizar com a realidade à nossa volta.

Empatia origina-se do termo grego “empatheia” e significa “paixão”. Pressupõe que foi estabelecida uma comunicação afetiva com outra pessoa. É saber ouvir os outros, esforçando-se para compreender os seus problemas, suas dificuldades e as suas emoções.

Artes em geral e a Música em particular criam possibilidades empáticas entre os seres, independentemente de idioma, raça e religião. Outro dia, um amigo querido – Clovis Moreno -, músico, escultor e educador, parceiro musical em um grupo (Salvaterra) que tivemos no passado, compartilhou um vídeo muito tocante. Um grupo de jovens estudantes russos apresentaram um espetáculo, em 2019, fruto da pesquisa que fizeram sobre os ritmos tradicionais brasileiros na criatividade do grupo Barbatuques. No meu artigo “Momento de desatar os nós” (https://old.titividal.com.br/momento-de-desatar-os-nos/) eu comentei sobre o trabalho do Barbatuques, criado em 1995, por Fernando Barba, que precocemente faleceu no início de fevereiro de 2021. Neste link – https://www.youtube.com/watch?v=oTNvRFzj-6g) – você pode se emocionar com a garra, o suingue e a empatia dos jovens russos com a proposta do grupo brasileiro de percussão corporal.

Outro momento em que a empatia se faz presente é na homenagem  feita ao “Mês da História Negra” e ao aniversário de 70 anos do músico inglês Peter Gabriel. Celebrado anualmente em fevereiro, o “Mês da História Negra” relembra a contribuição dos negros à vida política e cultural do Estados Unidos. Atualmente, além dos Estados Unidos, essa homenagem é também reconhecida no Canadá, Irlanda, Holanda e Reino Unido. Neste vídeo – https://playingforchange.com/videos/biko-around-the-world/) – é trazida de volta a mensagem da canção “Biko”, que Peter Gabriel lançou há 40 anos. Foi inspirada pela morte do ativista antiapartheid Steve Biko. A relevância desta música ainda é muito forte frente à infeliz brutalidade policial que continua a ocorrer contra o povo negro nos Estados Unidos, no Brasil e em muitos lugares no mundo. Participam mais de 25 músicos de 7 países junto à Peter Gabriel, destacando-se a cantora e ativista beninense Angélique Kidjo, o violoncelista Yo-Yo-Ma e seus parceiros do Silkroad e o baixista Meshell Ndegeocello. “Você pode apagar uma vela, mas não pode apagar o fogo. Assim que as chamas começarem a pegar, o vento vai soprar mais alto.”, é um trecho desta canção.

O cinema italiano nos brindou com um belo filme – Rosa e Momo (La vita davanti a sé), no qual a empatia é mostrada na sensível relação que se cria entre Madame Rosa, estrelada magistralmente por Sophia Loren, uma sobrevivente do Holocausto e que cuida de uma creche, e um menino refugiado de 12 anos, interpretado muito bem por Ibrahima Gueye. O filme foi dirigido por Edoardo Ponti, filho de Sophia Loren. A canção tema desta película – Io sì – é interpretada por Laura Pausini, e pode ser apreciada neste vídeo com trechos de cenas do filme – https://www.youtube.com/watch?v=imjSm7FNmwE

A empatia também pode se manifestar com as pessoas e suas causas. Nos artigos https://old.titividal.com.br/natureza-e-os-sons-2/ e https://old.titividal.com.br/o-amor-precisa-existir/ eu comento sobre o renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado e seu importante trabalho de restauração e preservação da natureza no Brasil. Agora, ele se uniu à Gilberto Gil para uma campanha para plantar 1 milhão de mudas. Gilberto Gil fez a música Refloresta, e junto aos seus filhos e netos Bem Gil (produtor musical, guitarra e sintetizador), Francisco Gil (guitarra e voz), João Gil (baixo e cavaquinho) e José Gil (bateria, percussão e samples) criaram este clipe – https://www.youtube.com/watch?v=YAQxp-rkFVM). “Manter em pé o que resta não basta. Já quase todo o verde se foi. Agora é hora de ser refloresta, que o coração não destrói.”, é uma estrofe desta bela canção.

A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade
(Achadouros, de Manoel de Barros)

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