Meu desafio de 2021 é ler Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust. Tomei gosto, já há alguns anos, de me desafiar. Comecei em 2018, quando me desafiei a aprender a dirigir. Vocês acreditam que eu fiquei dos 18 até os meus 33 anos sem dirigir? Peguei trauma depois que bati o carro quando tinha 15 dias de carta e nunca mais quis saber. Até que chegou um dia em que, depois de uns bons anos de terapia, eu comecei a me questionar o porquê eu não dirigia, de onde vinha essa sensação de incapacidade – e com tanta gente ruim de volante que tem por aí, por que só eu não conseguiria? E assim foi… A carta eu já tinha. Arrumei uma psicóloga que dá aulas para pessoas que têm medo de dirigir (beijo, Tati!) e assim eu venci esta barreira. Parece uma bobagem, não parece? Mas foi tão importante para mim. Foi como se, literalmente, eu tivesse tomado a direção da minha vida. Eu ganhei autoconfiança, autonomia, minha autoestima agradeceu e, desde então, eu me desafio com alguma coisa nova para fazer durante o ano. Geralmente, escolho aquilo que me dá receio, medo, enfim, algo que me dê aquela gongada, né Brasil?
O meu desafio de 2019 foi completar uma corrida de rua. Pois muito que bem: encarei os 8km da Disney Magic Run. Obviamente, a escolha da prova não foi nada aleatória. Já que eu me propus a correr, queria, pelo menos, uma medalha de um personagem da Disney.
Já 2020, putz… 2020 flopou! Como, geralmente, eu não escolho o meu desafio logo no início do ano, vieram a pandemia, março, lockdown… e o meu desafio de 2020 acabou sendo não pegar Covid. Consegui cumprir, ufa!
A minha meta para 2021 veio no formato de um “chamado”. Nunca tinha lido nada do Proust, mas ele estava ali na minha listinha de pendências literárias. Eis que, nos últimos meses, todos os livros que eu lia, artigos, vídeos na internet e até mesmo sobre assuntos que não eram a respeito do mundo literário, tinham sempre alguma referência de Em Busca do Tempo Perdido. Entendi a mensagem do Universo, aproveitei uma promoção e comprei uma edição lindíssima da Nova Fronteira, com os 7 romances em um box de 3 volumes e com uma série da fotógrafa Lucia Loiso na capa. Folhas secas, flores, brincos, frutas, borboletas….
Os temas principais abordados por Proust em Em Busca do Tempo Perdido são o tempo e a memória. Não é uma leitura fácil. Seguir a linha de raciocínio do narrador-personagem é um desafio, os parágrafos são enormes. É uma obra que nos exige concentração, foco, atenção, força de vontade e persistência. Li a primeira parte, No Caminho de Swann, e já passei da metade da segunda, À Sombra das Moças em Flor. Se eu vou conseguir terminar os 7 livros até o dia 31/12/2021 só Deus sabe, mas já estou feliz pelo simples fato de ter começado e não ter abandonado. No Caminho de Swann foi muito difícil, como todo início de qualquer desafio que nos propusemos. Já “Às Sombras das Moças Em Flor” tem sido um pouco mais prazeroso. Não sei se é porque eu me acostumei com o estilo da escrita do Proust, ou talvez o narrador esteja com a linha de pensamento mais linear, não sei. Eu gosto sempre de falar que os livros também nos escolhem, eles sabem a melhor hora que devemos lê-los. Eu comecei a primeira leitura fazendo mil planos, calculando, mais ou menos, quanto tempo eu levaria para ler cada obra, quantas páginas eu teria de ler por dia para conseguir terminar tudo até o final do ano, mas quando eu finalmente entendi que a escrita do Proust e cada um dos 7 romances têm um ritmo próprio, coloquei o pé no freio. Eu mesma já tinha falado lá no meu Instagram (@priscillaolyva), nesses nossos posts inspirados de final de ano, que não adianta a gente querer colocar as obras no nosso ritmo, os livros têm um ritmo próprio. Nós é que devemos nos adequar ao ritmo deles. Então, resolvi que por mais que demore, eu não vou ler Em Busca do Tempo Perdido. Eu vou degustar. Quero aproveitar ao máximo a grandiosidade desta obra. Na semana passada, me peguei até comprando livros para apoio. Quero me dedicar. Não quero apenas uma leitura, quero uma experiência.
De fato, o que muito me intriga é a quantidade de pessoas que têm canais literários no YouTube (aliás, sou uma delas, clica aqui para se inscrever), ou um perfil literário no Instagram, ou um blog de literatura, enfim, uma galera lendo “Em Busca do Tempo Perdido”. Tem muita gente! E sabendo que não é uma leitura nem fácil e nem rápida, fico me perguntando se o pessoal também teve esse “chamado”. Até fiquei pensando se é por conta da proximidade do centenário de O Caminho de Guermantes e Sodoma e Gomorra, mas, de verdade? Eu acho que não. Por tudo o que temos passado no mundo e especialmente no Brasil, todo esse tempo de espera e angústia foi obviamente catalisador deste “chamado”.
Como recuperar este tempo de vida que não tivemos? Mais quanto tempo ficaremos à deriva, esperando uma boa alma tomar as rédeas da situação? Esperar pelo fim da pandemia já virou quase utopia, mas existe uma vacina, existe uma possível solução até este momento. E assim como a escrita do Proust é cheia de idas e vindas, ainda estamos há um ano, entre idas e vindas de notícias boas e outras nem tanto. O narrador de Proust resgata a todo instante a memória, aquele tempo que já se foi, ora com alegria, ora com saudade, ora com tristeza, ora com contemplação de algo que já foi… Como será a nossa memória destes tempos que vivemos daqui 10, 20 ou 50 anos? Será um trauma tão grande que estaremos também fadados a mergulhar eternamente na memória, em busca deste tempo no qual nos encontrávamos tão perdidos?
O prazer que descubro em cada novo parágrafo de Proust é extasiante. É maravilhoso, mesmo que por breves minutos, entrar em outra realidade, outras vidas, outros tempos… E, apesar de toda essa obra grandiosa, acho que a minha grande meta para 2021 continua sendo não pegar o Coronavírus, me proteger e conseguir chegar ao fim de mais um ano com a minha família e meus amigos aqui, comigo.