Terra
Ele quer, na forma exata, uma matéria justa, a matéria que pode realmente sustentar a forma. – Gaston Bachelard[1]
Gaston Bachelard (2008:01) começa sua apresentação sobre o elemento terra, o segundo que aparece no zodíaco, da seguinte maneira:
Essas imagens da matéria terrestre oferecem-se a nós em profusão num mundo de metal e de pedra, de madeira e de gomas; são estáveis e tranquilas; temo-las sob os olhos; sentimo-las nas mãos…
Logo após o primeiro signo do zodíaco, áries, vem touro, a terra em sua forma mais estável, a terra fixa. Depois do impulso criador da vida, a vontade de manter e encontrar estabilidade. Após a vontade da alma, a vontade da carne.
A terra é o elemento que dá forma às coisas. É o elemento da estrutura, do que pode ser visto com nossos olhos e tocado por nossas mãos. É o mais concreto de todos, do mundo da realidade e daquilo que é uma certeza, pois todos conseguem enxergar e tocar.
O mundo concreto da terra exige mais trabalho e forma. Não à toa Gaston Bachelard dividiu seus estudos sobre o elemento terra em dois livros, A Terra e os Devaneios da Vontade e A Terra e os Devaneios do Repouso. A terra é justamente o elemento do trabalho, do esforço, da realização, de tudo aquilo que é de fato concretizado no “mundo real”.
Em seu “Prefácio para dois livros” Bachelard (2008:01) conta que as
imagens da matéria terrestre oferecem-se a nós em profusão num mundo de metal e de pedra, de madeira e de gomas; são estáveis e tranquilas; temo-las sob os olhos; sentimo-las nas mãos, despertam em nós alegrias musculares assim que tomamos o gosto de trabalha-las.
Ao falar sobre seu estudo prévio sobre os outros três elementos e a complexa tarefa de apresentar o elemento terra, Bachelard (2008:02) fala que diante dos espetáculos do fogo, da água, do céu, “o devaneio que busca a susbtância nos aspetos efêmeros não era de modo algum bloqueado pela realidade. Ele mostra como apesar de substâncias reais, os demais elementos tratam de matérias que, apesar de reais, são mais inconsistentes e móveis. Mas o mesmo não acontece com o elemento terra. Nas palavras de Bachelard
Mas com a substância da terra, a matéria traz tantas experiências positivas, a forma é tão manifesta, tão evidente, tão real, que não se vê claramente como se pode dar corpo a devaneios relativos à intimidade da matéria.
Em seus dois livros sobre o elemento terra, Bachelard fala sobre vontade e repouso, qualidades essenciais do elemento terra. Em outras palavras, é o elemento terra o que mais deseja na pele e também aquele que mais pode permanecer na inércia, no repouso. A terra pode desejar e trabalhar para conquistar o que quer, para satisfazer seus desejos e concretizar sua vontade. Mas a terra também pode ser preguiçosa e imóvel. De qualquer modo, Bachelard deixa claro que ao escrever dois livros não buscou separar totalmente os dois pontos de vista, já que para ele imagens não são conceitos e não se isolam em significação (2003:02). Parece mais evidente, assim, que dois livros foram escritos justamente porque a terra é o elemento mais real, mais denso e que demanda maior materialização para que se possa compreendê-lo.
Isso se traduz claramente nos três signos de terra, Touro, Virgem e Capricórnio, que precisam de tudo mais concreto e explicado, que apenas consideram como real aquilo que pode ser visto e tocado e que por isso trabalham com mais afinco para ter resultados bem sólidos e objetivos.
A terra é o elemento da forma e do mundo concreto. Mas apesar dessa concretude da terra, ela pode ser dura ou mole. Além disso, ao contrário dos outros três elementos, a terra tem como primeira característica uma resistência (BACHELARD, 2008:08).
Para Bachelard (2008:08) “Nada mais claro, para classificar as vontades, do que as matérias trabalhadas pela mão do homem”. Assim, a mesma terra que dá forma, exige o trabalho de alguém – ou da natureza – para se formar e concretizar.
Para o astrólogo Stephen Arroyo (2006:111): “Uma afinação com este elemento indica que o indivíduo está em contato com os sentidos físicos e com a realidade do aqui-e-agora do mundo material”.
E é assim porque a terra precisa caminhar devagar e ter certeza de onde pisa antes de dar o próximo passo. Justamente por isso é o elemento da prudência e da cautela, da necessidade de se estar atento e presente no aqui-e-agora, para não correr o risco de dar um passo em falso. Mais do que isso, a terra precisa poupar energia e por isso não faz sem ter certeza. Mas para isso a terra tem a experiência e a concentração dentro de si de tudo que já foi no passado e nesse sentido a terra também pode ser o elemento do apego. Como não quer perder energia nem dar passos desnecessários, também é o elemento mais consciente do futuro, que mais precisa planejar, ter uma meta, saber para onde ir. E reúne a experiência do passado e os planos do futuro na vivencia do presente. Por isso também tanta praticidade no elemento terra. Ou paralisação, porque a terra é ao mesmo tempo construtiva ou inerte. Na verdade, quando além da terra há o fogo para motivá-la, ela produz, é prática e construtiva. Quando há a falta do fogo, a terra é paralisante e estática.
O próprio planeta em que vivemos é chamado Terra. Para Liz Greene (2002:79):
Uma vez que é na Terra que nos encontramos, que é dela que somos feitos, dela que tiramos nosso sustento, que nela estamos inexplicavelmente enraizados, pode-se dizer em astrologia que o elemento de terra é um símbolo do mundo tridimensional da matéria, uma conjunção visível de espaço e tempo.
A Terra é real, a Terra é sólida, a Terra é segura, positiva e presente, e os signos de terra – Touro, Virgem e Capricórnio – possuem, como base de vivencia, uma atenção toda especial e um reconhecimento de tudo o que se relaciona com os sentidos.
A Terra representa a função da realidade por excelência.
A terra sente na pele, a terra toca e por isso sabe que aquilo existe. E essa realidade inclui a possibilidade de transformar sonho e imaginação em algo concreto. Inclui também um olhar mais realista e às vezes até mais pessimista da vida, porque a terra é o elemento que faz enxergar tudo que pode acontecer em qualquer situação: de bom ou de ruim.
A terra também contém o sexo e se o fogo desperta a vontade sexual, a terra é capaz de materializar esse desejo. Liz Geene (2002:186), ao falar da terra e do sexo refere-se às pessoas da terra dizendo que “eles apreciam os sentidos”. E de fato se a sexualidade é do fogo a sensualidade e a capacidade de sentir o prazer no corpo é totalmente da terra. Por isso o desejo mais instintivo pertence ao fogo e é algo inerente à alma, enquanto o desejo físico e corporal está totalmente ligado à terra, que sente em seu corpo o prazer.
Os sentidos são aguçados em quem é de terra. Tocar, sentir, ouvir, apreciar. Gosto, sabor e toque são, portanto, qualidades da terra.
A terra é naturalmente lenta e vai sendo moldada com o tempo, aos poucos, devagar. Astrologicamente, qualquer que seja o formato da terra temos esse sentido de lentidão e realidade. A primeira manifestação da terra é fixa, o touro que precisa manter a forma e que sabe apreciar a vida real com prazer e segurança. A terra mutável, virgem, a terra que se molda, que se adapta, mas que faz isso através do trabalho, produzindo e moldando aquilo que toca. E a terra em sua forma cardinal, a iniciativa que vem da vontade e da realidade, a terra mais ativa e ao mesmo tempo a mais concentrada, a que mais enxerga longe e que mais caminha em seu ritmo próprio rumo a um objetivo muito concreto e realista.
Para terra apenas é verdade aquilo que existe no mundo físico e considerado real. Pessoas de terra são, portanto, realistas. E “Segundo o realista, a verdade é o que, no intelecto, corresponde ao objeto”. Para o realista “a coisa (res) é anterior a toda consciência ou ideia”[2].
Somos a terra porque estamos materializados na Terra. Podemos nos ver, nos tocar. Precisamos da terra para viver, a terra dos alimentos, a terra do que nos abriga, a terra de que somos feitos.
O elemento terra também é profundo, porque até que tudo possa ser materializado precisa ser construído. Os signos de terra podem ser equiparados à construção civil, na qual precisa-se de um projeto, de planejamento, de tempo para que a fundação seja bem feita, de materiais sólidos para que ao ficar pronta a construção não desabe.
A terra também é a própria natureza das plantas. Assim, ao falar da terra, Bachelard (2003:230) fala também da árvore, especialmente da raiz. Para ele, a árvore “é um objeto integrante”. Ao falar sobre a árvore ele diz que ela está em toda a parte ao mesmo tempo. Ele também fala sobre a raiz que, segundo ele, sempre “vai produzir uma nova flor”. Para ele, a árvore “vive entre o céu e a terra” e “vive na terra e no vento”. E então ele apresenta a raiz como a ideia de profundidade. De fato, a raiz é algo que vive dentro da terra, o que dá força e estrutura à árvore, que só pode crescer forte se sua raiz estiver firme. Assim como os signos de terra que, astrologicamente falando, precisam de raiz, certeza e profundidade. Esperam o enraizamento das coisas para então crescer e permitir que os frutos nasçam. São os signos do planejamento, da busca por certeza. Crescem primeiro para dentro, depois para fora, assim como a árvore e sua raiz. Bachelard (2003:243) ainda complementa: “a árvore retém a terra”.
A terra de fato enraíza as coisas, já que com seu jeito sólido e concreto, prático e eficiente, pode levar tempo para formatar o que quer, para deixar as coisas da maneira como ficarão. Mas o fato é que quando algo ligado ao elemento terra está feito, está pronto, está assim para sempre, mantendo-se eternamente concreto.
[1] BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios do repouso. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
[2] Meditações sobre os 22 arcanos maiores do tarô/ por um autor que quis manter-se no anonimato, 5 ed, São Paulo: Paulus, 2005, página 211.