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É PRECISO SABER DESFAZER LAÇOS

Como leitora assídua, obviamente são muitos os livros que mexem comigo. Nos últimos meses, dois deles conseguiram ir um pouco mais fundo. Tara Westover e o seu “A Menina da Montanha”, e Deborah Feldman, com seu relato em “Nada Ortodoxa”, são, ambos, aqueles tipos de livro que escancaram uma realidade que a gente nem imagina que existe e, ao mesmo tempo, levantam questões que não são tão distantes assim de nossas vidas.

Em “A Menina da Montanha”, Tara nos relata sua infância e adolescência dentro de uma família mórmon, extremamente religiosa, com um pai bipolar, uma mãe conivente, nas montanhas de Idaho, nos Estados Unidos. Proibida de estudar, ela pisa pela primeira vez em uma sala de aula aos 17 anos. Passa obviamente por constrangimentos, como, por exemplo, não saber o significado da palavra e nem o que tinha sido o holocausto. Sua sede de conhecimento a levou à conquista do Doutorado em Cambridge. (Quem quiser ver a resenha completa, clique aqui).

Tara Westover (Paul Stuart)

Do outro lado dos Estados Unidos, mais precisamente em Williamsburg, no bairro do Brooklin, em Nova York, Deborah Feldman abre as portas da comunidade de judeus hassídicos, Satmar. Uma comunidade criada pós-segunda guerra que acredita que o holocausto foi um castigo de Deus, já que os judeus estavam se misturando e passando a viver com/como os “gentios” (não judeus). Nascida e criada naquele pedaço do Brooklin, Deborah, que sempre foi questionadora e nunca se contentou com as respostas e desculpas obtidas, relata como é viver dentro de uma religião ultra ortodoxa. Ou melhor, relata como é ser mulher em uma comunidade ultra ortodoxa. A menina criada no idioma ídiche, que parou de estudar aos 17 anos (a idade na qual elas começam a se preparar para o casamento para, enfim, cumprir as funções da mulher: ter filhos, cuidar da casa, família e do marido…), virou escritora de best-sellers e hoje vive uma vida livre em Berlim.

Deborah Feldman (Alexa Vachon)

Apesar de inúmeras diferenças, Tara Westover abre o livro com uma “Nota da Autora” dizendo que a obra não é sobre o mormonismo ou qualquer convicção religiosa, enquanto Deborah, em sua “Nota da Autora”, faz questão de explicar o surgimento da sua comunidade. Elas têm muito em comum. É quase como se Tara e Deborah fossem as duas faces de um mesmo espelho. Para além da autobiografia de ambas (que recomendo muitíssimo) e detalhes da vida, é na coragem que elas mais se assemelham.

Porque é preciso muita, mas muita coragem para deixar toda uma vida para trás: família, amigos, costumes, tradições, crenças… E eu não estou aqui para te trazer um texto de coach, não, (apesar de que, lamento informar, os dois livros estão sendo, erroneamente, usados pelos pseudo coaches por aí), mas eu vim aqui perguntar: por onde anda a nossa coragem?

Quanto peso carregamos nas costas e que, na verdade, não são nossos? Quantos problemas, neuras, desilusões, proibições, limitações, herdamos de nossas famílias? Você já parou para pensar se estes pesos são seus mesmos? Se você precisa deles? Assim como na vida da Tara e da Deborah, muitas das coisas que vivemos não foram escolhas nossas. Vieram no pacote da família. Nos foram impostas. Fazia parte da nossa tradição familiar e/ou religiosa. Eu não estou aqui dizendo para você virar as costas, ir embora e nunca mais falar com ninguém. Mas você não acha que está na hora de desatar alguns laços?

No caso de Tara e Deborah, elas realmente tiveram que partir, cortar relações… Ao mesmo tempo, acho muito sábio. Até que elas tiveram uma boa dose de autoconhecimento para saber que aquilo que elas estavam vivendo não iria mudar. Elas já sabiam qual seria o destino delas, caso ficassem. A única saída era mergulhar no desconhecido, deixar a ferida sangrar, reaprender e recomeçar. E por que é que nós temos tanto medo de mudar? O que ainda te impede de ir desatando esses laços que formamos ou que formaram por nós ao longo da vida, mas que hoje já não faz mais sentido? Por que é que a gente ainda aceita pessoas ou situações que nos fazem mal, mas que aguentamos em nome da família? Será que a gente precisa mesmo se anular e não viver da forma como gostaríamos porque a harmonia e os laços familiares são mais importantes?

É de se pensar…

https://www.youtube.com/c/PriscillaOlyva

A Menina da Montanha de Tara Westover

·  Editora : Rocco; 1ª edição (10 setembro 2018)

·  Idioma : Português

·  Capa comum : 336 páginas

·  ISBN-10 : 9788532531223

·  ISBN-13 : 978-8532531223

Nada Ortodoxa, Uma História de Renúncia à Religião de Deborah Feldman

·  Editora : Intrínseca; 1ª edição (29 setembro 2020)

·  Idioma : Português

·  Capa comum : 304 páginas

·  ISBN-10 : 6555600454

·  ISBN-13 : 978-6555600452

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