Muito do que eu escrevo é baseado no meu cotidiano. Diria que quase totalidade do que eu penso vira texto, seja num papel que vou esquecer dentro de um livro, seja num relatório ou mesmo publicado na internet. Eu parto do que vivo, do que capturo e entendo do mundo, para todo o restante. É um jeito de me colocar aberto ao mundo, também, pelo retorno que recebo daquilo que escrevo.
E, durante todo esse processo do ano de 2020, que inclui, entre outras coisas, uma pandemia sem precedentes em vários aspectos, mas que me chama a atenção especificamente por um, eu fiquei muito reflexivo e, nesse texto, queria compartilhar parte disso contigo. Talvez você sinta o mesmo. Talvez não. Mas ambos, você e eu, estamos sendo afetados pela primeira vez na história da humanidade em que, ao mesmo tempo em que estamos isolados, estamos virtualmente conectados.
Se, por um lado, isso nos permitiu saber muito mais o que estava (e está) acontecendo, por outro lado não nos permitiu saber exatamente o que estava (e está) acontecendo, de tantas linhas de raciocínio a seguir. Passo a passo, nossa ignorância do resultado final de um processo em andamento foi ficando cada vez mais clara. Tudo em processo, muito em andamento, nada concluso ainda – e sem prazo, quase no fim deste ano, para um efetivo encerramento.
Dentre todas as coisas que pensei e penso nesse período, talvez o mais profícuo seja relativo aos “não” que eu disse, esperando um momento mais propício, uma ocasião mais adequada, o encerramento de um trabalho, a perspectiva de um relacionamento… E que, agora, não fazem mais nenhum sentido diante do risco da morte.
Muitas das nossas decisões são tomadas em relação ao futuro incerto, aquele que ainda é um brilho nos nossos olhos, mas não virou semente. “Quando eu me formar”, “quando eu encontrar a parceria perfeita”, “quando eu adquirir um certo bem”. Tendo sido colocados no instante do agora, diante da incerteza do futuro, o que nos sobra? Tornar o futuro incerto um futuro possível. E, como futuro possível, penso em tudo aquilo que, dentro das possibilidades do agora, possa ser minimamente construído. Em passinho de formiga e sem esmorecer.
Eu disse muitos “não” a coisas que, nesse novo contexto, eu teria dito “sim” sem pestanejar! Quantos “não” dizemos pela falta de consciência do instante? Minha avó sempre disse: “primeiro a obrigação, depois a devoção, depois a diversão” e eu levei isso muito a sério (obrigado, vó!). E agora? Qual é minha obrigação, qual é minha devoção e qual é minha diversão na quarentena?
Eu estou revendo todos os meus “não”, para coisas que a partir do momento em que for seguro, eu vou dizer sim: Vou dizer sim a uma rotina de exercícios, que me faz tanta falta; vou dizer sim àquela cervejinha depois do trabalho, àquela sinuquinha despretensiosa entre amigos; vou dizer sim para aquela caminhada para ver o por do sol.
Mas também vou dizer “não” aos exageros, às expectativas incoerentes com o meu momento, às proposições vazias, ao mau uso da minha vontade, do meu dinheiro e dos meus sentimentos, e a qualquer tipo de abuso – que é um exagero que vem de fora e quer entrar sem convite.
Esses são meus novos “sim”, outrora “não”; esses são meus “não” que já deveriam ter sido implantados.
Quais são os seus?