Ciúme: prova de amor ou doença?
por Erane Paladino
Pode parecer incrível, mas até os animais domésticos sentem ciúme de seus queridos. Este sentimento, embora considerado inerente aos laços afetivos, permite abrir espaço para uma discussão um pouco mais apurada. Existem várias manifestações intensas e, muitas delas carregadas de paixão, quando estamos ligados a alguém.. Por outro lado, a origem da palavra está associada ao latim zelu, e se aproxima da idéia de zelo ou cuidado. Quando amamos alguém estas necessidades surgem, portanto, espontaneamente, mas a questão fica sempre na medida e nos seus limites.
O desejo pelo outro, na verdade, desperta nossos apegos mais íntimos e resgata experiências passadas associadas ao desamparo e ao medo. Quanto mais frágeis as estruturas psicológicas, maior será o apego e a dependência. É interessante notar a relação entre ansiedade de separação e apego – ou seja, somos submetidos ao outro em proporção às angustias associadas ao abandono e à rejeição. Como recordações traumáticas do passado são revolvidas, podemos dizer que quanto mais antigas e profundas, maior será a dificuldade do indivíduo em estabelecer autonomia num relacionamento amoroso.
Para esclarecer melhor, esta reflexão exige diferenciar o ciúme da inveja, da posse, bem como a paixão do amor.
Se o ciúme vem, necessariamente, de uma relação triangular e a ansiedade ligada à perspectiva de exclusão está presente de forma implícita ou explícita, na inveja e na posse não há o terceiro, mas uma espécie de fusão entre duas pessoas que não são reconhecidas em suas individualidades. Esta dinâmica fica associada a um nível de envolvimento mais primitivo: um vínculo dual onde a expectativa em relação ao outro é projetada maciçamente. O nível de idealização geralmente é muito alto e não há espaço para a frustração na psique. Decisões independentes não estão no script, bem como as individualidades e anseios pessoais que não incluam o parceiro. De forma maniqueísta e infantil, a mal entendidos ou desencontros levam à decepção, entendida, muitas vezes, como um ataque pessoal. Na fantasia o objeto de amor não pode ter vida própria e há uma ligação onde a espera pela exclusividade acaba por desconsiderar os diferentes modos de pensar..É por esta razão que muitos destes relacionamentos são caracterizados por brigas intensas e agressões verbais ou até mesmo físicas. Em muitos casos, o nível de interdependência não permite o espaço para a crítica e para o bom senso, numa relação estéril, pouco criativa.
Apesar de muitas vezes confundirmos estas manifestações como ciumentas, trata~se, neste caso, de processos psíquicos muito rudimentares que se assemelhariam, pelo olhar da psicanálise, a uma relação entre dois bebês carentes e famintos.
Na paixão também podemos estar neste nível de enamoramento. Mas, neste caso, temos aqui algo passageiro, capaz de aceitar os limites e as singularidades que a convivência e o tempo nos denunciarão inexoravelmente.
Por este raciocínio, conseguimos perceber no amor um vínculo mais maduro e diferenciado. No amor a história construída vale mais do que a intensidade dos sentimentos. A parceria e cumplicidade é medida pelos assuntos em comum, pelas afinidades, pelos interesses e valores comuns. Isto torna a relação profunda e o resultado vem com a sensação de paz e segurança que permite olharmos para o horizonte na mesma direção.
Não é fácil amar, porque, neste caso, é o respeito pelos diferenças e particularidades que estão no dia a dia. É a tolerância no lugar da idealização e a confiança no lugar do medo. A relação se torna viva conforme os projetos em comum ganham forma ao longo da vida. A troca passa a existir porque sempre temos o que discutir e pensar juntos. Para Caetano significaria “ querer-te aprender o total do querer que há e o que não há em mim”