e por que será que é tão difícil trazê-la de volta?
Quando eu comecei a atender como astróloga, gravava os atendimentos em fita cassete. Tinha que ter fita suficiente, ficar atenta ao tempo de gravação, mas dava tudo certo. Ao final da consulta, o cliente levava embora a fita para ouvir novamente quando desejasse.
Muita gente ouvia, uma vez ou duas, algum tempo depois, em geral para anotar as datas mais importantes e fazer alguma observação que quisesse deixar anotada em papel. Mas era basicamente isso. Uma vez ou duas, em geral um tempo depois.
Ainda lembro perfeitamente do dia que um cliente me disse: ” Titi, preciso ir na casa da minha avó quando quero ouvir a fita do mapa”. Estava na hora de trocar de sistema. Comprei um gravador digital, com o qual conseguia gravar a consulta e trasferir o arquivo para o computafor. Então eu gravava o arquivo em um CD e depois de algum tempinho (uns minutos provavelmente, mas que talvez hoje pareçam uma eternidade), pronto, o cliente saía do consultório com seu CD para ouvir a consulta novamente, caso desejasse anotar alguma coisa, ou relembrar alguma informação.
Mas o tempo passou e ainda no gravador digital deixamos de gravar em CD para a maioria dos clientes que, agora, queria que o arquivo fosse enviado para ser baixado, já que alguns computadores já não tinham mais leitores de CD e os aparelhos para ouví-los também não eram mais presentes em 100% das casas. Passou rápido…
Até que passamos a gravar no próprio celular. Em geral no meu, que muitas vezes nem era tão bom quanto o do cliente, mas “por segurança” os clientes em geral preferiam que eu mesma gravasse. Então passava o arquivo para o computador, e enviava em seguida.
E isso tudo parece que já faz tanto tempo. Já tem tempo que gravamos no celular e passamos na hora: por Bluetooth, por Whatsapp, por email…de um jeito ou de outro, vai… mas até pouquinho tempo atrás, às vezes não ia, pelo tamanho, ainda precisava sincronizar, e enviar…
Muitas vezes o cliente grava no dele e eu no meu (por segurança). E se antes os clientes raramente ouviam suas consultas depois, ou faziam isso uma ou duas vezes ao longo do ano, hoje a necessidade do áudio chega a ser preocupante.
Não raro, poucas horas depois da consulta o cliente não lembra de coisas que falamos. Precisa do áudio em seguida, para ir embora ouvindo o que acabamos de falar. Sem qualquer tempo ou período necessário para pensar, refletir, elaborar o que foi conversado, sem a necessidade de ouvir novamente.
Menos raro ainda, é comum que já no dia seguinte, ou poucos dias depois, eu receba emails com perguntas sobre coisas que foram perguntadas e conversadas na consulta. Os áudios da nossa conversa são ouvidos muitas e muitas vezes ao longo do ano.
E isso não vale só para a consulta. É bastante comum que eu receba mensagens pedindo ajuda para fazer coisas no site com perguntas sobre o que está escrito e detalhado ali. Ou que a primeira pergunta de um post seja em busca de uma informação que está bem ali, no post.
Esse texto não é um desabafo ou reclamação. Eu sigo amando as pessoas e não me importando de responder cada mensagem, cada pergunta, cada email. Mas uma reflexão, porque em várias áreas vejo comentários, pessoas me falando sobre a falta de atenção, inclusive de si próprias. E eu estou nessa, nesse mesmo barco que faz com que me distraia, que não leia direito, que esqueça alguma coisa que acabei de ler ou ouvir agora pouco.
Mas por que será que isso tem acontecido com a gente? Muito provável que essa vida maluca, o tempo que nos persegue, as redes sociais que tomam tanto tempo, nossa necessidade atual e constante de ter que fazer mil coisas ao mesmo tempo. E será que isso é saudável?
Outro dia ouvi em uma aula que nosso cérebro está perdendo capacidade de fazer sinapses, porque temos nossos HDs externos – computadores, tablets, celulares – e não precisamos mais fazer tanto exercício mental. A maioria de nós também não lê mais o suficiente para desenvolver a capacidade de raciocinar e memorizar. Será que devemos continuar contribuindo para que isso aconteça?
Enfim, estou aqui pensando alto em meio a essa quarentena que nos obrigou a repensar o tempo, o consumo, as relações e a vida. Talvez seja uma boa oportunidade de prestar mais atenção ao que fazemos e ao que ouvimos. Podemos ouvir e ler de novo o que desejarmos, quantas vezes forem necessárias, mas que seja para de fato ler e ouvir de novo e não para buscar aquilo que talvez no primeiro momento não estivéssemos prestando a devida atenção.