Quer saber o que é essa tal de comida de verdade? Leia Michael Pollan, jornalista norte-americano que se tornou um dos principais defensores da dessa ideia, que nada mais é do que comer menos industrializados e mais comida preparada por pessoas.
Depois de vários livros lançados – o meu preferido é “O Dilema do Onívoro” (Editora Intrínseca), uma investigação jornalística de mais de 7 anos da produção de alimentos nos EUA, do industrial à caça – Pollan teve seu trabalho convertido em série da Netflix, “Cooked”, inspirada no último livro que ele lançou, de mesmo nome.
Mas qual é o problema da comida industrializada? Nenhum, se ela for consumida com parcimônia, que é exatamente o oposto do que vemos acontecer no dia a dia. Cada vez mais as pessoas substituem o bie – aquele pedaço de carne temperado com alho, sal, cebola, azeite (por exemplo) – por salsichas, linguiças, hambúrgueres industrializados. Isso pode acontecer tanto por questões financeiras, já que o industrializado é mais barato (graças ao processo de produção, que vai render outras conversas nossas), quanto por hábitos alimentares que vêm sendo plantados nas nossas sociedades.
Michael Moss, outro norte-americano jornalista, descreve no livro “Sal, Açúcar e Gordura” (Editora Intrínseca) os mecanismos que a indústria de alimentos criou desde o começo do século XX para nos viciar em produtos cada vez mais salgados, doces e gordurosos. Não é por acaso que preferimos esse tipo de alimento, que inunda nosso cérebro com porções instantâneas de prazer. Realmente é uma delícia tomar sorvete com calda de chocolate e muitos confeitos e guloseimas. Mas isso não é comida pra todo dia, e o problema é justamente que o acesso a esse tipo de alimento é mais barato e mais comum hoje.
Outra questão complicada é que em muitas culturas tradicionais o consumo de alimentos sazonais e da terra está sendo substituído por industrializados. Imagine um barco navegando pelo Rio Amazonas vendendo papinhas, biscoitos e refrigerantes, fazendo que as populações ribeirinhas troquem peixes, raízes e legumes típicos, com os quais se alimentam há séculos, por esses ultraprocessados? Isso existe e é feito massivamente por grandes empresas. O resultado tem sido um aumento preocupante nos números de doenças relacionadas à alimentação, como diabetes, hipertensão, câncer e outras.
Quer saber como comer comida de verdade? “Pense global e aja local”: lembre da sua avó falando que é tempo de caqui, de morango, de pera? Isso ainda existe e deve ser respeitado. O morango de época – que no Brasil significa os meses de agosto, setembro e outubro – vai ser infinitamente mais saboroso do que aquele de janeiro que, provavelmente, foi congelado e descongelado pelos supermercados ou produzido com muito agrotóxico. Assim, coma o que está na época, produzido o mais próximo possível da sua casa e que, de preferência, você ou alguém da família prepare. Prestar atenção ao que comemos e nos dedicarmos a comprar e preparar nossa própria comida é um dos maiores atos políticos cotidianos que podemos ter.
Quer dicas mais concretas? No livro “Em Defesa da Comida” (Editora Intrínseca), Pollan propõe 64 regras para comer comida de verdade. Dê uma olhada – e considere a última “Quebre as regras de vez em quando” como aquele momento em que o sorvete com calda de chocolate e muitos confeitos e guloseimas é mais do que bem-vindo.
- Coma comida.
- Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida.
- Evite produtos alimentares que contenham ingredientes que nenhum ser humano comum teria na despensa.
- Evite produtos alimentícios que contenham xarope de milho com alto teor de frutose.
- Evite alimentos que contenham alguma forma de açúcar (ou adoçante) listada entre os três primeiros ingredientes.
- Evite produtos alimentícios que contenham mais de cinco ingredientes.
- Evite produtos alimentícios que contenham ingredientes que um aluno do terceiro ano não consiga pronunciar.
- Evite produtos alimentícios com propaganda de propriedades saudáveis.
- Evite produtos alimentícios que tenham no nome os termos “light ” , “baixo teor de gordura ” ou ” sem gordura “.
- Evite alimentos que estejam fingindo ser o que não são.
- Evite alimentos que você vê anunciados na televisão.
- Compre nos corredores ao longo das paredes do supermercado e fique longe do centro.
- Só coma alimentos que acabarão apodrecendo.
- Coma alimentos feitos com ingredientes que você pode imaginar crus ou crescendo na natureza.
- Fuja do supermercado sempre que puder.
- Compre seus lanches na feira.
- Só coma alimentos que tenham sido preparados por humanos.
- Não ingira alimentos preparados em locais nos quais se exige que todo mundo use touca cirúrgica.
- Se veio de um vegetal, coma; se foi fabricado, não coma.
- Não é comida se chegou pela janela de seu carro.
- Não é comida se tem o mesmo nome em todas as línguas. (Pense em Big Mac, Cheetos ou Pringles.)
- Coma principalmente vegetais. Sobretudo folhas.
- Trate a carne como um ingrediente extra ou um alimento para ocasiões especiais.
- “Comer o que fica em pé numa perna só [cogumelos e vegetais] é melhor que comer o que fica em pé em duas patas [aves], que é melhor que comer o que fica em pé em quatro patas [vacas, porcos e outros mamíferos].”
- Faça refeições coloridas.
- Beba a água do espinafre.
- Coma animais que se alimentaram bem.
- Se tiver espaço, compre um freezer.
- Coma como um onívoro.
- Coma alimentos cultivados em solo saudável.
- Coma alimentos silvestres quando puder.
- Não se esqueça dos peixinhos oleosos.
- Coma alguns alimentos que foram pré-digeridos por bactérias ou fungos.
- Adoce e salgue sua comida você mesmo.
- Coma os alimentos doces como você os encontra na natureza.
- Não coma cereais matinais que alterem a cor do leite.
- “Quanto mais branco o pão, mais depressa você vai para o caixão.”
- Dê preferência aos tipos de óleo e de grãos tradicionalmente moídos em mós.
- Coma todas as besteiras que quiser, desde que você mesmo as cozinhe.
- Seja o tipo de pessoa que toma suplementos – depois retire os suplementos.
- Coma mais como os franceses. Ou os japoneses. Ou os italianos. Ou os gregos.
- Olhe com ceticismo para os alimentos não tradicionais.
- Tome um copo de vinho durante o jantar.
- Pague mais, coma menos.
- … Coma menos.
- Pare de comer antes de se sentir satisfeito.
- Coma quando tiver fome, não quando estiver entediado.
- Consulte sua barriga.
- Coma devagar.
- “O banquete está na primeira garfada.”
- Passe curtindo uma refeição o mesmo tempo que o investido em prepará-la.
- Compre pratos e copos menores.
- Sirva-se de uma boa porção e não repita.
- “Coma como um rei no café da manhã, como um príncipe no almoço e como um mendigo no jantar.”
- Coma refeições.
- Restrinja seus lanches a alimentos vegetais não processados.
- Não compre seu combustível no mesmo lugar em que compra o de seu carro.
- Só coma à mesa.
- Tente não comer sozinho.
- Trate as guloseimas como guloseimas.
- Deixe alguma coisa no prato.
- Plante uma horta, se tiver espaço, e uma jardineira na janela, se não tiver.
- Cozinhe.
- Quebre as regras de vez em quando.
- Imagens: comidas preparadas pela autora 🙂