O preconceito contra mulheres mais velhas é o tema central do livro Timoneiras: Assumindo o leme da vida com o passar da idade, da psicóloga clínica e antropóloga cultural, Mary Pipher. Obviamente, sabemos que todas as pessoas sofrem ou são vítimas de etarismo conforme os anos acumulados, mas em uma sociedade machista e patriarcal, para as mulheres, o preconceito é ainda mais forte.
Desde que saímos da barriga, somos colocadas nas diversas caixinhas que vão nos transformar na “menina de família”: escolhem nossos brinquedos, nossas roupas, as palavras que devemos usar, as que não devemos usar, nos ensinam a falar baixo, não podemos demonstrar raiva porque “brigar é coisa de menino”; quando chega a primeira menstruação, somos arrancadas de nossa infância e obrigadas a abandonar a criança, deixá-la para trás, afinal, agora somos “mocinhas”. Existe a vontade de ainda brincar de bonecas, mas existe a culpa e a vergonha de que agora somos crescidas demais para isso. Junto a isso, o tsunami de hormônios que parece nos invadir do dia para a noite, as cólicas, os ciclos incertos, o fluxo inconstante (ora tranquilo, ora parece que não vamos aguentar tamanha a intensidade). Algumas demoram alguns meses ou anos para se acostumar a guiar o barco nessa tempestade. Outras, como eu, acabam encontrando, no anticoncepcional, a maneira de tentar lidar com o próprio corpo. Ah, o corpo. “Eu, gorda, queria ser mais alta”, “meu cabelo tem muito frizz”, “odeio as minhas celulites”, “por que eu não sou magra como as modelos na capa da revista?…” Não que crianças não sofram de pressão estética e gordofobia, mas na adolescência é que as cobranças são ainda mais intensas. A gente já se sente esquisita por nós mesmos. Também, pudera, é uma grande mudança acontecendo dentro da gente e a sociedade está lá, tentando nos colocar nas caixinhas da menina da pele bonita, da adolescente ‘espinhuda’, da que engordou depois que menstruou, da que já tem um corpão….
Quando a gente começa a entender que todas passamos por isso, entramos na fase da jovem adulta e com isso: “cadê seu namorado?”, “Quando vocês vão se casar?”, “Tem certeza de que você é lésbica? Isso é só uma fase!”, “E o bebê? Não querem ter filhos? Mas é uma benção de Deus…”.
As mulheres que optaram por não ter filhos (como eu) são taxadas como frias, egoístas, mal-amadas, frustradas, nunca vão conhecer o verdadeiro amor…. As mulheres que escolheram ser mãe são as que não cuidam direito da criança, burras por terem largado a carreira para cuidar dos filhos, desleixadas por terem engordado na gravidez, fúteis se resolvem voltar para a academia assim que o médico libera, incompetentes por não cuidarem da casa tão bem e se dedicarem mais ao trabalho, culpadas pelo casamento não estar bem, afinal não estão cuidando bem do marido….
E quando a gente acha que está tudo entrando nos eixos e estamos nos acostumando (com todas as surpresas da vida), somos arrancadas novamente do nosso trilho com a chegada dela, a menopausa. Mais uma montanha-russa que muitas mulheres levam anos para se acostumar e, com isso, os adjetivos: loucas, instáveis, acabadas, frustradas, as que têm inveja da juventude alheia, as que foram trocadas por uma mulher mais nova… Quem nunca ouviu aquele ditado, “o homem envelhece, a mulher apodrece”?
E, sim, diante da sociedade, é assim mesmo que mulheres mais velhas são vistas. Como a fruta podre, sem qualquer serventia, a que não serve nem para dar para o passarinho. Ou, como diz Mary Pipher, em TIMONEIRAS: pessoas velhas são como aquelas flores vermelhas usadas na decoração do Natal, depois das festas, ninguém mais quer. Em uma sociedade na qual, bela é a mulher com o corpo magro e jovem e em um rosto completamente sem rugas, que beleza há em uma mulher mais velha? Em uma sociedade em que a capacidade intelectual e a velocidade de raciocínio são colocadas como mérito da juventude, quem respeita a inteligência e o raciocínio de uma mulher mais velha?
Mulheres mais velhas são invisibilizadas. Não é normal que elas façam planos para o futuro, elas não são vistas como pessoas que podem e devem ter desejos sexuais, como se uma vida sexual ativa não tivesse a menor razão de existir para uma mulher (enquanto isso, nada mais comum de que um homem mais velho se garanta com a pílula azulzinha), passam a se dirigir a elas (no tom de voz e na escolha das palavras) como se fossem crianças, mesmo que essas mulheres ainda estejam ativas no mercado de trabalho. E apesar da invisibilização, não pensem que elas deixam de ser cobradas. Afinal, qual é o segundo maior sonho de toda mulher depois de ser mãe? Ser avó! E não basta ser avó, precisa ser uma avó presente, que cuida dos netos, que cozinhe (e muito bem) para toda a família, que brinque com as crianças e que seja feliz e realizada neste papel que lhe cabe.
Por ser uma especialista em mulheres, principalmente nos traumas e feitos da cultura sobre a saúde mental delas, Mary Pipher construiu em TIMONEIRAS, através de relatos, histórias e entrevistas, uma análise profunda sobre as questões culturais e de desenvolvimento que as mulheres enfrentam à medida em que envelhecem. Ela explora maneiras pelas quais as mulheres podem cultivar respostas resilientes aos desafios que enfrentam. TIMONEIRAS não é um livro de “como fazer” e sim de “como pensar”; é um convite à autorreflexão e um guia para a boa-venturança.
A escrita da Mary é delicada, profunda, emocionante e nos faz refletir sobre diversas questões. Por diversos momentos, me peguei chorando diante do livro. Chorando por elas, mas chorando também pelo que virá. Será que eu estarei preparada para isso?
Mary aborda desde os temas mais leves até os mais espinhosos. Um de seus motes principais é não termos o controle de tudo, mas termos escolhas. E que as mulheres conseguem, através dessas escolhas, fazer essa travessia de forma mais leve, de maneira a se tornarem mais resilientes. Por tudo isso, eu não vejo o TIMONEIRAS como um livro voltado somente para mulheres mais velhas. Eu o vejo como um livro para todas nós, não importa a idade, pois se tudo na vida der certo, a gente vai envelhecer. Então, que saibamos fazer isso da melhor maneira possível.
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Um beijo