Estreio a minha coluna me despedindo de 2020. O ano em que a minha filha, Maitê, que inspirou o meu tímido blog, A Jornada da Passarinha, completou 7 anos. Hoje ela não é mais tão “inha”, está entrando em outra fase da infância. Acontece que ela tem Síndrome de Kleefstra que, no seu caso, está caracterizada pela deficiência intelectual, espectro autista e dificuldades motoras leves. Ela é não verbal e se comunica via Comunicação Alternativa, usando pranchas com pictogramas e sinais retirados da LIBRAS.
Esse também foi o ano em que precisei equilibrar as demandas da casa e do trabalho com as necessidades da Maitê, sem poder contar com toda rede de apoio, parecendo um show de malabares bem amador. Em meio a grande confusão e stress que me acompanharam durante todos os meses, acabei me envolvendo, mais do que antes, nas questões relacionadas às pessoas com deficiência. Promovi alguns encontros on-line com profissionais dentro do Grupo de Familiares da Síndrome de Kleesfstra, iniciativa que hoje me parece tão óbvia, já que temos 50 famílias espalhadas em diversos Estados.
Em 2020 sofremos com ações do Governo Federal e Estadual empenhados em retirar alguns dos direitos que foram conquistados com muita dificuldade. De tudo que aconteceu, sem dúvida, a ameaça à inclusão escolar foi a que mais mobilizou todas as pessoas envolvidas nessa luta. Isso enquanto vivemos no Brasil a precarização da educação no seu nível máximo, que aumentou ainda mais o abismo entre os privilegiados e o restante da população. Nesse meio, as crianças que têm necessidades diferenciadas de aprendizado, estão entre as mais prejudicadas.
Eu estou muito pessimista, com medo do que vem esse ano. Será mais um semestre sem escola, um mix entre aula virtual e presencial. Porém, e se os funcionários e professores não forem vacinados até o meio do ano? Serão 2 anos sem escola? Ou vamos adotar a filosofia do “e daí?”, colocando a saúde das pessoas em risco?
Mas 2020 nos fez perseverar, seguir em frente mesmo com dificuldades. Fez com que muita gente buscasse forças lá no fundo, garantindo que dentro do “é o que tem pra hoje” a gente conseguisse tirar aprendizados significativos.
Então, resolvi fazer uma lista de algumas das conquistas da Maitê que ilustram bem isso:
– Não tivemos escola, mas ela tirou 10 no parquinho! Ficou um pouco mais corajosa para subir em lugares, se balançar e ir no gira-gira sozinha. Conquistas incríveis para uma criança que começou a andar sem apoio aos 3 anos e meio e até o início do ano de 2020 dependia que nós a girássemos ou a balançássemos.
– Autonomia e autocuidado são habilidades que precisam ser trabalhados exaustivamente quando se tem dificuldades como as da Maitê. Conquistamos a capacidade de tirar toda roupa e colocá-la no cesto para lavar, conseguimos progredir na habilidade de vesti-las. Porém, tem horas que me pergunto se ela é alguma reencarnação de Maria Antonieta, porque sem nenhuma timidez, com frequência, nos olha com expressão de “Vistam-me!”.
– Aprendeu a dobrar calcinhas e ajudou nas tarefas domésticas. Se animou tanto que diversas vezes encontramos roupas que já haviam sido dobradas e guardadas, dentro da máquina de lavar!
– Melhorou a coordenação motora fina, tem tentado usar a faca espontaneamente, nas brincadeiras com massinha e nas refeições. Claro que se pudesse, comeria com as mãos do começo ao fim.
– Para finalizar, gostaria de contar que mesmo estando mais em casa conseguimos aumentar seu repertório de conhecimento de mundo e vocabulário, fizemos receitas, lemos muitos livros, ouvimos artistas e discos que eu ainda não havia lhe apresentado. Entre os top 10 estão palavras e expressões como, “aula on-line”, “quero ajudar”, todos os tipos de tarefas domésticas (por que não?) e assuntos como, sistema solar, planetas e viagens espaciais. Esse último, por causa de tema abordado na escola e quem sabe alguma mínima influência do pai, que quase chorou no último episódio de The Mandalorian. Aquele do baby Yoda, sabe?