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A GRANDE DAMA DO CINEMA, de Juan José Campanella – Julho 2019


 A GRANDE DAMA DO CINEMA, de Juan José Campanella – Julho 2019

Em março deste ano, falamos a respeito de OS SEGREDOS DOS SEUS OLHOS (2009) que foi o ganhador do Oscar de filme estrangeiro em 2010. Enfim, temos outra obra de Juan José Campanella, depois de quase dez anos de afastamento do cinema em que assinou a direção de “House” e “Law and Order”, e ainda fez teatro e animação. Esse novo filme A GRANDE DAMA DO CINEMA  traz marcas de seu talento. É interessante acompanhar as obras de um diretor, tentar perceber por que caminhos anda sua produção que nos diz por onde ele foi expandindo suas ideias com os recursos da linguagem de cinema. Como em todas as carreiras, essa observação nos conduz aos caminhos pelos quais elas são construídas. Ainda não podemos fechar conclusões, mas entre dois filmes apenas de Campanella podemos entrever alguns traços de uma grande obra. Veja se você concorda comigo.

SEGREDOS, AFETOS E METÁFORAS

Neste filme Campanella nos traz segredos que se revelam e afetos que se marcam na alma. O diretor repete um roteiro de mestre, humor, suspense, ironia e drama. Tudo isso junto à escolha de metáforas que podem escapar a um espectador menos atento. São detalhes significativos.


A história nos conta sobre uma grande artista do cinema da Era de Ouro de Hollywood em que os protagonistas eram endeusados. Além dela, temos seu marido (também ator) e seus diretor e roteirista. Os quatro vivem juntos em uma mansão envelhecida e tão decadente quanto eles todos.


São quatro personagens velhas vivendo a rotina que se repete há cerca de quarenta anos brigando e se criticando para sobreviver escapando do tédio. Então chega a essa propriedade fora da área urbana, um carro com dois jovens, uma mulher ambiciosa e um homem inteligente e rico. E eles começam a mudar o quadro estabelecido. Quebram o ritmo do dia-a-dia dos moradores e instalam um clima de suspense que vai crescendo e indicando a que veio a mão, firme e delicada ao mesmo tempo, de o nosso diretor.
Forma-se um jogo de fortes emoções pois a dupla já tem tudo planejado. O jovem seduz a velha atriz a seus desejos e monta-se uma trama para o casal de jovens comprar a velha casa que pode ser muito útil comercialmente. O lugar é afastado da cidade e a propriedade valiosa para empreendimentos imobiliários. Porém, os outros três moradores da velha mansão não desejam essa venda. Quem vencerá a disputa?


Somos tomados por uma sequência de surpresas, pois não há principiante entre os seis. Não nos enganemos, pois. Os jovens podem parecer espertos perante velhos bobocas. Em princípio um contraponto entre a velhice e a juventude. Mas, os jovens pesam suas ações a partir do orgulho e ambição e a velhice sabe a linguagem da prudência e do tempo experiente.
A guerra é estabelecida também entre os quatro moradores da mansão, só a grande dama deseja a venda. O suspense cresce em meio a uma tensão de sentimentos, críticas e revelações. São muitas as histórias que vêm à tona.
O tema do cinema, metalinguagem, está o tempo todo nas falas e diálogos: o real e a ficção, as personagens que eles são e as que desejam ser. O papel do diretor qual é?, explica o diretor. Passado e presente, os trabalhos que eles desenvolveram quando jovens e a vida que levam hoje. Ironia, críticas, raivas e afetos permeando o relacionamento entre eles.


E o tema dos jogos corre em paralelo. Quem ganha? quem perde? Em uma mesa de bilhar aparece o melhor jogador. O xadrez permanece como aquele espaço de atenção e foco. Assim eles passam o tempo. Assim eles jogam o jogo de sua vida até que um jovem casal chega e vem para balançar toda a ordem conseguida. À custa de muitos embates entre eles e um equilíbrio delicado que sabem manter, tudo poderá acabar?


Mais intensidade nos espera ao final da trama com direito a assassinato e a humor negro. Acidez e corrosão em cenas que merecem nosso respeito à maestria de um diretor que não teme limites perigosos porque sabe como não perder a ternura e a elegância.


São muitos ratos a andar pela velha mansão e muitos os tiros que matam as doninhas que se multiplicam. Mais metáforas nessa linguagem esteticamente enriquecida de poesia às avessas para mostrar uma realidade que é assim mesmo. É torta. O título em espanhol já anuncia e prepara o expectador, EL CUENTO DE LAS COMADREJAS. São muitas as doninhas em uma realidade dura e um tanto perversa como elas mesmas, animais só aparentemente frágeis.


A trilha sonora especial passa por sucessos que os mais velhos vão recordar dos anos sessenta. São muitos os níveis de significados. Toda a narrativa é montada lentamente. O que será que vai acontecer?

É bom perceber por onde a criatividade e a atenção andou entre obras de um bom diretor, por onde seus recursos e limites foram se desenvolvendo.
Campanella brinca com alguns chavões da comédia e do suspense do cinema clássico. Fica até próximo do ridículo e do pastiche. Mas não escorrega. Tem domínio de como quer contar a história.

Junte as metáforas de uma casa velha, em que andam ratos e doninhas vencidas sistematicamente por tiros, uma estátua que é mais do que uma estátua, pois é um prêmio e símbolo de conquista, a mesa de bilhar e o tabuleiro de xadrez. Junte mais o passado que acorda das mentiras e é revisto em suas verdades, mais os afetos que se reafirmam no amor e nos valores. Um conjunto que nos confirma quão grande diretor é Campanella.

Valeu esperar por dez anos.
Tomara que antes de dez anos vindouros tenhamos mais do mesmo talento.  

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