UMA AVENTURA ÉPICA, A ODISSEIA DOS TONTOS
O filme A ODISSEIA DOS TONTOS nos apresenta uma história que começa em agosto de 2001 na Argentina e dois meses depois, chega ao Corralito, um sequestro de dinheiro da população feito pelo governo. Nesse intervalo de dois meses, acompanhamos o plano de compra de uma propriedade rural que seria recuperada para uma cooperativa. Um grupo de pessoas se juntam e investem dinheiro para o empreendimento que com o sequestro do dinheiro vai por água abaixo. Aí começa a história que nos interessa.
O diretor Sebastián Borensztein tem em seu currículo o filme UM CONTO CHINÊS (2011), que ganhou o prêmio espanhol Goya. Esse filme premiado já apresenta algumas características que podemos observar em A ODISSEIA DOS TONTOS: narrativa circular, humor inteligente, o imprevisível, metáforas significativas e sutis.
EM UM PEQUENO POVOADO, O MUNDO
Trata-se de um pequeno povoado na Argentina que acaba sendo representação do mundo. O dinheiro entregue em confiança a um banco não é apenas confiscado, mas roubado do grupo empenhado no projeto da cooperativa.
A interferência de duas pessoas com informações a respeito do gerente de banco e de um advogado amigo dele, fazem a narrativa andar na direção da busca de justiça.
Assim, o grupo se reúne para tentar resgatar o dinheiro. Não, eles não são ladrões, eles querem o que é seu, por direito. Os vilões e irresponsáveis da história são os dois que efetuaram o sequestro e o desvio do dinheiro.
Na verdade, o contexto importa para desenhar a verdadeira dimensão da história. As primeiras cenas do filme mostram um momento de chuva e uma enorme explosão. O narrador explica o sentido da palavra tonto (em Espanhol, giles). Ele diz que “giles” são lerdos a quem falta picardia, mas honestos, trabalhadores e inteligentes. E que quando em situação de abuso podem fazer algo que nunca imaginaram fazer. O que impulsiona os tontos nesse movimento? Algo imenso e que nesse caso é a busca de justiça, a luta frente ao mau caráter, a ética e a cidadania.
As personagens são gente simples e entre elas encontramos também um “revolucionário de alma”, citações de Bakunin, um peronista radical e dois irmãos cujo maior desejo é ter celular. Ops. Sim, o grupo inclui gente com preparo e conhecimento e gente muito simples na maneira de encarar a vida. Todos empenhados na mesma luta. E em meio a ela temos as questões pessoais e afetivas dos elementos do grupo. As relações de família e de amizade, o desastre e a morte, a cumplicidade e questões da vida cotidiana. Temos humor e verdade.
METÁFORAS
A música de abertura do filme é a valsa Danúbio Azul de Strauss que surge novamente em meio a uma crise no decorrer do plano. Essa música faz parte da sonoplastia de 2001, UMA ODISSEIA NO ESPAÇO de Stanley Kubrick (1968). Sinal importante: a escolha dessa valsa não é por acaso. Há algo maior por trás de tudo.
Também não é mero acaso que o filme se passe em 2001. Ou seja, o diretor tem uma intenção explícita em ligar os filmes. No primeiro, o clássico, assistimos a um impasse entre o homem e a máquina. Uma visão maior do passado e do futuro. Uma narrativa de amplitude grandiosa.
No filme argentino, encontramos um embate mais terreno, porém é o mesmo ser humano em confronto com os parâmetros da sociedade humana em suas perversas mazelas. O desejo por justiça sendo vivido como uma luta que é elaborada com recursos mínimos. O grupo busca a vitória pela cooperação e ações inteligentes. Uma aventura de largas dimensões em sua essência.
Estas duas odisseias estão relacionadas e ambas representam um apanhado de aventuras que nos remetem ao mundo grego de Homero, longínquo e modelar, onde heróis se empenham a empreendimentos épicos. Neste filme de 2019, os meios são aqueles disponíveis para os homens que estão da mesma forma imbuídos de grandeza e firme disposição de espírito. Épica é essa disposição de todos em nome da justiça.
Sebastián Borensztein faz uma homenagem ao filme clássico de 1968. São muitos os significados implícitos como podemos observar. As referências a padrões literários, já presentes em UM CONTO CHINÊS: o conto e a epopeia indicam a sofisticação do diretor em seu processo de criação e assim eleva a linguagem de cinema a um patamar especial. E isso ocorre sem deixar de ser acessível a uma gama enorme de público por sua capacidade de interlocução. Uma grande construção de sentidos a partir dos recursos do grande diretor Borensztein.
Nada melhor do que ter de vez em quando um filme como esse. Uma produção que nos alimenta de tudo o que é melhor na linguagem cinematográfica!